quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Virtual ou imaginário?


Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 13 de Dezembro de 2010


Com o Natal a um passo é inevitável pensar em prendas, quer para dar quer para receber, quer para crianças quer para adultos. Consumismos à parte – que, em boa medida, nos levam a esquecer o significado da quadra – dar e receber prendas é algo que faz bem ao ego de cada um e, para além disso, faz bem à economia.

Na azáfama do dia-a-dia, muitas vezes nos perguntamos que prenda escolher. De entre as prendas possíveis, as prendas tecnológicas são sempre uma apetecível e popular opção. A massificação das tecnologias da informação e comunicação (TIC) e da Internet, ocorrida nos últimos trinta anos, mudou não só a forma como se trabalha mas, também, a forma como se desfruta de momentos de lazer e como se brinca.

A brincar, a brincar, a indústria de jogos – que, actualmente, recorre intensamente às TIC – movimenta verbas gigantescas no mundo inteiro, sendo uma das mais fortes indústrias do planeta. Os jogos são, de facto, um dos principais motores para o desenvolvimento das tecnologias, exigindo grandes capacidades de processamento, apurada engenharia de software, sofisticadas interfaces gráficas, recurso a técnicas de realidade virtual e realidade aumentada e, ainda, comunicação em alta velocidade. As actuais consolas de jogos – cada vez mais elaboradas e imersivas – têm capacidades de processamento equivalentes às que existiam em super-computadores de há 15 ou 20 anos atrás e incontáveis vezes mais capacidade de processamento do que os computadores usados na missão da Apolo 11 à Lua, em 1969.

É, no entanto, curioso verificar que a publicidade a muitas dessas consolas é dirigida mais aos adultos do que às crianças. Talvez isso se deva ao facto de o seu custo ser tão elevado que o fabricante tente justificá-lo convencendo os adultos de que o equipamento pode ser utilizado por todos e não apenas pelos mais pequenos. É, certamente, por essa razão que em muitos dos jogos se ganha pontos por cada adversário que se elimina, por cada obstáculo que se destrói ou por cada infracção de trânsito que se comete, privilegiando-se o que é virtual, ou seja, dando-se preferência ao que afasta o adulto da dura e banal realidade.

Esquecemo-nos – pais, familiares e educadores – que para as crianças são necessários e preferíveis os brinquedos e jogos que estimulam a imaginação, pois são esses que exercitam e desenvolvem as suas capacidades intelectuais, e satisfazem a sua ânsia de entender melhor o mundo que as rodeia, ao contrário dos que lhe apresentam um mundo virtual, já construído e que pouco interessa conhecer.

A diferença entre o virtual e o imaginário é a diferença entre a visita a um parque de diversões on-line e a visita a um parque de diversões real. A primeira torna-se rapidamente aborrecida, enquanto que a segunda estimula todos os sentidos e emoções, podendo ficar marcada na memória de todos – graúdos e miúdos – para toda a vida.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Os blindados da informática


Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 29 de Novembro de 2010


Imaginemos uma arma tão poderosa que conseguisse tornar inoperacionais praticamente todas as infra-estruturas críticas da sociedade em que vivemos: as redes de produção e distribuição de energia eléctrica, as redes de telecomunicações, as redes de transporte e logística, os sistemas de controlo de tráfego marítimo, terrestre e aéreo, as mais variadas linhas de produção industrial, os sistemas de suporte à vida nas unidades de saúde, as redes e sistemas bancários, os sistemas de informação das forças de segurança, as administrações dos diversos Estados, os meios de comunicação social.

É, felizmente, um cenário de ficção. No entanto, é claro para todos que se tal arma existisse e fosse accionada quase todos os países do Mundo ficariam bloqueados, a economia mundial entraria em colapso, milhões de pessoas perderiam a vida por acidentes, falta de cuidados médicos e falta de medicamentos, as guerras pelo controlo dos poucos recursos existentes eclodiriam um pouco por toda a parte, o caos instalar-se-ia nas cidades, a Civilização – tal como a conhecemos – desapareceria para sempre.

Se é certo que essa arma não existe, o mesmo não pode ser dito das tecnologias na qual ela se poderá basear: as tecnologias da informação e comunicação (TIC). Com efeito, actualmente todas as infra-estruturas – críticas ou não – recorrem às TIC e, de facto, não poderiam existir sem elas. Nenhum sistema com um mínimo de complexidade pode existir sem funcionalidade de processamento e/ou comunicação de informação. Nunca como hoje a sociedade dependeu tanto das TIC, sendo certo que essa dependência se continuará a acentuar por tempo indeterminado.

É por estes motivos que a maior ameaça à segurança global não vem de exércitos ou de potenciais conflitos armados, mas sim de ameaças aos sistemas de informação e comunicação. O novo terrorismo será – ou é – um terrorismo informático e tecnológico. Não no sentido da pequena pirataria, ou dos vírus ‘caseiros’ que grassam em incontáveis computadores pessoais ou, ainda, do acesso indevido a mensagens electrónicas deste ou daquele dignitário, mas no sentido do ataque a infra-estruturas críticas, sobre as quais assentam todos os aspectos fundamentais da sociedade contemporânea.

É, assim, fundamental que o Mundo se prepare para esta nova ameaça. Essa preparação está muito avançada nos países mais desenvolvidos tecnologicamente. Noutros, a segurança informática ainda é encarada como uma curiosidade de filmes de Hollywood ou, na melhor das hipóteses, como algo que se resolve com abordagens que, para os especialistas em segurança, não podem deixar de ser consideradas ‘naive’.

Nós por cá podemos registar soluções mistas, algumas com boa segurança e outras nem tanto. São bastantes os casos de redes e serviços com falhas de segurança, quer em organismos públicos quer privados. Segue-se, em larga medida, o ditado de que depois da casa arrombada trancas à porta. Será que vamos ter mais um caso no qual os ‘blindados’ chegam tarde demais?

sábado, 20 de novembro de 2010

Breve história da Internet


Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 15 de Novembro de 2010


Porque todos falam nela, interessa conhecer um pouco melhor a Internet.

Em 1969, uma agência norte americana de investigação – a Defense Advanced Research Projects Agency, DARPA – lançou um projecto cujo objectivo era o de desenvolver uma rede experimental robusta e fiável – qualidades indispensáveis para aplicações em ambiente militar. Na fase inicial desse projecto, essa rede, chamada ARPANET, era constituída por quatro computadores.

A fase experimental do projecto estendeu-se até 1975, tendo um crescimento considerado muito grande: em 1971 tinha 13 computadores, em 1972 tinha 35 e em 1975 interligava já 63 computadores. Terminada a fase experimental da rede, sucedeu-se a fase operacional, tendo a administração da rede passado para uma agência do Departamento de Defesa (Department of Defense, DoD) dos EUA. Foi já nessa fase que foram desenvolvidos muitos dos protocolos (regras de comunicação) que são hoje a base da actual Internet como, por exemplo, os protocolos TCP e IP, desenvolvidos em 1977.

Em 1983, a ARPANET foi separada em duas componentes: uma rede para fins e ambientes militares – a MILNET – e a restante ARPANET. À rede global, composta por estas duas, chamou-se Internet. À medida que a rede crescia, muitas outras organizações se ligaram à Internet, das quais a National Science Foundation se destaca. Em 1986, a Internet ligava já 5089 computadores, em 1988 abrangia 56000 computadores e em 1989 registava o número impressionante de 80000 computadores. Em 1990 a designação ARPANET é abandonada em detrimento da designação Internet já largamente utilizada na altura.

No início dos anos 90 é criada, em Portugal, a RCCN – Rede para a Comunidade Científica Nacional – uma rede de dimensão nacional, interligando Universidades públicas, gerida pela Fundação para a Comunidade Científica Nacional (FCCN) e ligada à Internet através da rede europeia EBONE. Actualmente, a rede sucessora da RCCN – a Rede de Ciência, Tecnologia e Sociedade, RCTS – encontra-se ligada à Internet através da rede GEANT2.

No final de 1995, a rede Internet ligava já cerca de 8 milhões de computadores, chegando a cerca de 20 milhões de utilizadores em todo o mundo. No final de 1999 o número de computadores ligados à Internet atingiu os 56 milhões, chegando a cerca de 180 milhões de pessoas. No último trimestre de 2000 o número estimado de computadores ligados à Internet era de 93 milhões. Este número continuou a crescer, atingindo cerca de 440 milhões em 2006, 685 milhões em 2009 e cerca de 900 milhões em 2010, abrangendo cerca de 2 mil milhões de utilizadores.

Como dizem os Chineses, todas as grandes viagens começam com um pequeno passo. Foi também esse o caso da grande aventura da Internet, que mudou o Mundo em que vivemos mas que, na escala temporal da civilização, acabou meramente de surgir. Resta-nos imaginar até onde nos levará.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Fazer ou comprar feito?


Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 1 de Novembro de 2010


Tal como na culinária, também no diz respeito às tecnologias da informação e comunicação (TIC) se coloca, frequentemente, a questão de fazer – isto é, desenvolver soluções com meios próprios – ou comprar já feito. Curiosamente, também como na culinária, quer uma quer outra destas alternativas pode sair mais cara ou mais barata, dependendo de vários factores. Como em tudo, uma boa decisão passa sempre pela correcta pesagem de todos os ingredientes da receita.

Muitos são os casos em que se recorre a desenvolvimentos e/ou soluções de TIC asseguradas internamente sem que para tal exista uma razão objectiva. Um dos exemplos mais flagrantes é o caso de aplicações de uso comum de incontáveis serviços da Administração Pública, local e central, que, invocando razões de autonomia e falsas eficiências decorrentes da replicação, levam até à exaustão a clonagem de soluções informáticas. Quanta economia de recursos humanos e materiais se poderia obter se fossem utilizadas plataformas partilhadas por múltiplos serviços públicos? Quantos milhões de euros ficariam disponíveis para outros fins se se abandonasse o ‘espírito de quinta’ ou se se autorizasse apenas a montagem soluções próprias nos casos em que não fosse possível recorrer a uma solução comum? Esse seria, de facto, um ‘simplex’ eficaz já que, por um lado, poderia homogeneizar e melhorar a qualidade dos serviços prestados e, por outro, pouparia recursos e evitaria que se reinventasse a roda.

Se, por um lado, frequentemente se esbanja dinheiro a assegurar internamente soluções para as quais seria mais eficiente recorrer a plataformas comuns, não é menos certo que muitos meios financeiros são despendidos na compra e manutenção de soluções externas demasiado caras, desadequadas, desadaptadas ou sobredimensionadas. É frequente, até, que as mesmas entidades cometam ambos os erros.

Uma outra variável a considerar é o recurso a soluções de código aberto (open source). Países bem mais ricos do que Portugal, como a França, o Brasil ou a Alemanha, usam este tipo de soluções nas suas Administrações Públicas. De facto, a esmagadora maioria dos funcionários utiliza um conjunto de sistemas e aplicações perfeitamente suportáveis em postos de trabalho com sistemas operativos, aplicações de escritório e aplicações de Internet do tipo open source.

Vários factores condicionam a opção por fazer ou comprar feito. Existem meios técnicos e know-how internos? Quanto custa assegurar a solução internamente? Quais os custos de aquisição e, sobretudo, de operação e manutenção de uma solução adquirida? Os produtos existentes no mercado são adequados?

Por ser difícil tomar uma decisão correcta nesta matéria é que a área das TIC é, talvez, uma das áreas onde pior se gastam os recursos. Voltando à nossa metáfora culinária, estraga-se muita comida em casa e depois vai-se jantar fora. O drama é que, nos tempos que correm, o orçamento familiar cada vez é mais curto e será cada vez mais difícil obter financiamento para remodelar a cozinha.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Quanto vale um computador?


Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 19 de Outubro de 2010


A questão que serve de título não é, tal como muitas outras, de resposta simples, directa ou única. Mas porque estas coisas da informática toldam, frequentemente, a clareza e objectividade que deve presidir a qualquer análise, vale a pena fazer um esforço para encontrar uma entre muitas respostas possíveis.

Uma das dificuldades da questão vem do facto de existirem muitos tipos de computadores, para diferentes fins, com diferentes capacidades e diferentes graus de sofisticação.

Alguns computadores são ferramentas tão complexas, com um tão elevado poder de processamento e cálculo, que o seu valor pode atingir muitos milhões de euros. São, de facto, instrumentos científicos raros, só disponíveis em grandes instituições, laboratórios ou centros de investigação nacionais ou internacionais.

A maioria dos computadores são, no entanto, máquinas de médio ou de pequeno porte, utilizadas, por exemplo, para o fornecimento de serviços de comunicação ou serviços de processamento de informação numa multiplicidade de entidades ou empresas. Neste caso, para além do simples valor das máquinas e do software que nelas reside, há que ter em atenção o valor dos serviços que suportam e da informação que contêm. Em muitos casos, a indisponibilidade de um serviço ou a perda de informação representa um prejuízo muito maior do que o valor das máquinas ou do seu software, podendo, inclusivamente, ter consequências catastróficas. É por essa razão que qualquer bom administrador de sistemas executa regularmente operações de salvaguarda de dados (vulgo backups). Se não o fizer, pode – e deve – ser despedido com justa causa.

Já o valor de um computador pessoal depende, sobretudo, do valor da informação que nele reside, dado que como ferramenta é bastante comum. Um dia encontrei um amigo muito triste porque lhe tido sido dado – a título de compensação por danos no seu computador pessoal – um computador completamente novo. A questão é que a perda não se tinha resumido à máquina em si, mas sim a vários meses de trabalho que tinham conduzido à informação que ele lá tinha, da qual, lamentavelmente, não tinha cópia. Infelizmente, esse valor ninguém lho reconheceu nem retribuiu.

Avaliar um computador é, por isso, muito difícil. É como avaliar uma carteira sem a abrir, avaliar um cofre sem conhecer o seu conteúdo, avaliar uma prenda sem a desembrulhar ou avaliar uma pessoa por uma foto sem conhecer o seu carácter, a sua obra ou as suas competências.

Os computadores são, em grande medida, como folhas de um livro. O seu valor não se mede pelo papel de que são feitos mas sim pelo que neles se encontra. Podem conter escritos irrelevantes ou trabalhos de incalculável valor. No extremo, reduzir o valor de um computador ao valor de uma simples máquina seria como propor a Luís de Camões, acabado de chegar à praia após o naufrágio junto à foz do rio Mekong, com o seu manuscrito mor molhado e em mau estado, que trocasse essas degradadas folhas por uma novíssima resma de papel A4.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Todos os nomes


Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 4 de Outubro de 2010


Quase todos os dias somos ‘bombardeados’ com uma série de termos e siglas relativos às tecnologias da informação e comunicação (TIC). É certo que em todas as áreas da ciência e da tecnologia existe uma imensidão de termos técnicos – a maior parte dos quais totalmente incompreensíveis para o comum dos mortais – e também é certo que esse jargão é utilizado, frequentemente, como forma de demarcar a linha entre conhecedores e leigos. No entanto, a difusão das TIC é de tal ordem que a sua gíria nos invade a vida, se apropria da linguagem do dia-a-dia e se instala como vocabulário corrente e automático.

É social e politicamente incorrecto não incluir algures em conversas, textos ou debates um ou mais chavões como, por exemplo, redes de nova geração, banda larga, 3G, tecnologias da informação, Web2.0, realidade virtual, assinaturas digitais, comércio electrónico, desmaterialização, entre muitos outros, ainda que pouco se saiba quanto ao seu verdadeiro significado. Seria relativamente fácil elaborar uma lista com todos os nomes da moda – palavras chave, termos mágicos, buzzwords – que transformam qualquer documento num texto com aparente conteúdo e actualidade.

Muitas vezes dá a sensação de que quem utiliza esses termos acabou de ler um daqueles guias práticos que, de forma sucinta, ligeira e, por vezes, hilariante, prometem ao leitor sabedoria instantânea sobre determinado tema. Se fosse esse o caso seria menos mau mas, infelizmente, a maior parte das vezes nem isso acontece. Usam-se os termos e expressões porque toda a gente os usa.

É um pouco como as cerejas, que têm que ser de Resende, os Melões, que têm que ser de Almeirim, a pêra rocha, que tem que ser do Oeste, e assim sucessivamente, para que se possam vender em qualquer banca montada à beira da estrada, ainda que nada ateste a sua proveniência. O mesmo se passa com as redes, que têm que ser de nova geração, com a banda, que tem que ser larga, com a Web, que tem que ser 2.0, com a realidade, que tem que ser virtual, com as assinaturas, que têm que ser digitais e com a inteligência, que tem que ser artificial. Sem isso, qualquer solução informática é liminarmente rejeitada pelos ‘grandes especialistas’.

Bem vistas as coisas, este fenómeno é uma tendência natural que, em muitos casos, não traz grande mal ao Mundo. Há, no entanto, que ter algum cuidado quando a superficialidade das buzzwords é utilizada para definir estratégias, para lançar programas, para avaliar iniciativas ou para decidir sobre a execução de projectos. Nesses casos as consequências podem ser muito negativas, já que facilmente se embarca na construção de infraestruturas informáticas largamente sobredimensionadas, sistemas de informação desligados de necessidades reais e concretas, ou aplicações caras e mal concebidas. Desses temos muitos casos, cuja única utilidade prática fica reduzida ao dispendioso mas sonante marketing de todos os nomes.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

O parente pobre


Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 20 de Setembro de 2010


Em Portugal, a actividade de Engenharia é regulada a diversos níveis. Não é qualquer pessoa que pode elaborar um projecto de um edifício, de uma estrada ou de uma instalação eléctrica, por exemplo. Também nas áreas da Mecânica ou da Química, a actividade de Engenharia obedece a normas bem definidas. Já no que diz respeito à Informática o mesmo não pode ser dito.

Devido à grande divulgação da Informática, confunde-se a simples utilização com as actividades de projecto e de construção. Qualquer pessoa sabe de informática. Qualquer bacharel ou licenciado pode dar aulas de informática. Na minha vida profissional deparei-me – não raras vezes – com especialistas de informática licenciados em História, em Economia, em Direito, em Humanidades, entre muitas outras áreas. Curiosamente, vários deles atingiram o topo da carreira e têm grandes responsabilidades na tomada de decisões na área Informática. Mas será que são Engenheiros Informáticos? Será que sabem o que significa elaborar um projecto de Engenharia Informática?

Edifícios públicos são construídos sem redes ou infra-estruturas informáticas. Têm, no entanto, redes de água, esgotos, electricidade e telefone. Só a posteriori se contacta um fornecedor e se lhe pede para instalar uma rede informática. Aliás, é interessante verificar que a esmagadora maioria das infra-estruturas informáticas existentes foi feita sem qualquer projecto de engenharia. Contacta-se um vendedor e ele lá se encarrega de colocar uma solução no terreno. O problema é semelhante noutras áreas que não a das infra-estruturas, como sejam a dos sistemas de informação ou a das plataformas aplicacionais.

É curioso que as Administrações Central e Local do Estado, tão rigorosas no cumprimento de um sem número de procedimentos, na área Informática se esqueçam completamente de aplicar as mais elementares regras de Engenharia. Naturalmente, abrem-se concursos, mas o fornecedor seleccionado não está, em regra, condicionado à execução de um projecto previamente elaborado. Pode, assim, não fazer qualquer análise de requisitos, não elaborar qualquer especificação, não realizar quaisquer testes de conformidade. Ou pode, simplesmente, adaptar requisitos, especificações e testes às características dos produtos e soluções que decide implantar.

Claro que atrás de uma solução concreta - escolhida por um fornecedor e não com base em características técnicas decorrentes de um projecto de Engenharia – vêm sempre outras questões, como sejam condicionantes no que diz respeito à evolução dos sistemas, expansão e manutenção, todas muito vantajosas ... para alguém.

A não regulamentação da actividade de Engenharia Informática tem um custo muito elevado para o País. Sendo esta uma área tão estratégica para o desenvolvimento, para a criação de emprego, para a modernização e para a competitividade, não se compreende a razão porque é tratada como o parente pobre da Engenharia.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

A neo-burocracia


Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 6 de Setembro de 2010


A burocracia é a arte de tornar um processo simples em algo complexo, normalmente através do recurso à exigência de prestação de informação acessória que para nada serve. E se um dos principais mecanismos para burocratizar um processo é solicitar informação desnecessária, as tecnologias da informação e comunicação (TIC) podem ser uma extraordinária ferramenta, já que permitem a recolha e armazenamento de ‘toneladas’ de informação.

Mas afinal as TIC não servem para desmaterializar processos? Não estão, até, na base da esmagadora maioria das medidas de simplificação administrativa? As TIC têm, de facto, um elevado potencial para tornar os fluxos de dados mais ágeis e para possibilitar o acesso imediato à informação. Infelizmente, esse mesmo potencial permite lidar com muitos mais dados, a uma escala várias ordens de grandeza acima daquela que existia até ao seu aparecimento. Se a isso juntarmos a natureza burocrática dos povos latinos, ficam reunidas todas as condições para burocratizar qualquer processo até ao limite. O resultado é a neo-burocracia.

A máquina burocrática absorve e exige cada vez mais informação. Enormes volumes de dados engordam as bases de dados das mais variadas entidades. Parece existir uma ânsia de omnisciência e, por isso, qualquer interacção que tenhamos com uma dessas entidades é sempre uma excelente oportunidade para contribuir para aumentar a ‘obesidade mórbida’ destes sistemas, alimentando-os com mais alguns dados.

Com a desculpa e promessa da simplificação e agilização de processos, pedem-se dados, pré-registos, registos e certidões. Naturalmente, a partir daí bastará um simples acesso on-line, pois o sistema já tem toda a informação necessária ... até precisar de mais.

Há dias, a propósito de uma simples acção de formação, curiosamente sobre TIC, foi solicitado pelo serviço de cada um dos formandos o programa, os manuais e textos de apoio, os meios audiovisuais utilizados, a identificação dos formadores, a certificação da sua formação profissional, a ficha de inscrição do formando, a informação sobre o processo de selecção, os sumários das sessões formativas, as fichas de registo, as folhas de presença, as provas, testes e relatórios realizados, a avaliação do desempenho dos formadores, os relatórios e actas de reuniões realizadas, mecanismos de publicidade e divulgação da acção, e evidência de que a acção tinha sido realizada, entre vários outros elementos.

Sinceramente, achei que se tinham esquecido de pedir bilhetes de identidade dos participantes, números de contribuinte, certidões de nascimento dos próprios e dos ascendentes e descendentes até ao terceiro grau, comprovativos de pagamento de IRS, IMI e imposto de circulação, declaração da Segurança Social, carta de condução, atestado de robustez, cartão da ADSE, passaporte, etc., etc. Naturalmente, tudo em formato digital, para poder ser submetido on-line e tornar o processo muito mais simples. Afinal, é para isso que servem as TIC.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

O novo analfabetismo


Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 26 de Julho de 2010


Numa sociedade em que praticamente todas as actividades são condicionadas pelas tecnologias da informação e comunicação (TIC), um novo tipo de analfabetismo começa a fazer-se sentir de forma particularmente aguda: o analfabetismo informático. Se até há pouco tempo ser ‘ignorante’ em termos de utilização básica de ferramentas informáticas era considerado incomum mas aceitável, nos dias de hoje esse desconhecimento é extremamente limitador e pode ter consequências drásticas.

O problema da iliteracia informática é praticamente inexistente nas camadas jovens, em idade escolar, não tanto pelas políticas de TIC no ensino – sempre questionáveis e deixando muito a desejar – mas pela própria natureza do ser humano. As crianças e jovens têm uma apetência e uma capacidade extraordinárias para lidar com o que é novo, para vencer desafios e para explorar tudo aquilo que desconhecem. Fazem-no com ou sem o apoio de adultos e educadores. Diria mesmo que, muitas vezes, o fazem apesar dos entraves que adultos e educadores constituem.

É em faixas etárias mais avançadas que o problema se coloca com mais acuidade. Salvo excepções que confirmam a regra, à medida que avançamos na idade a aversão a aprender instala-se e a primeira reacção a algo novo ou diferente é de negação, crítica, medo, ou mesmo repulsa. É assim em todas as áreas e as TIC não são excepção.

É curioso verificar que mesmo pessoas com elevado nível de instrução sofrem desta nova forma de analfabetismo. Por vezes, são mesmo os quadros mais qualificados, os gestores, os decisores, os responsáveis máximos de entidades e empresas que padecem desta ‘rara doença’. O resultado é que numa sociedade na qual um crescente número de mecanismos de gestão, controlo e decisão se baseiam em sistemas e aplicações informáticos, muitas acções críticas – como, por exemplo, autorizações, pagamentos e transferências electrónicos – passam a ser efectivamente realizadas, por delegação, por pessoal de apoio administrativo. É como se um presidente ou gestor de uma qualquer organização dissesse a um(a) secretário(a): “Assine-me este cheque (ou este contrato, ou este documento), pois não sei assinar”.

Para esses, talvez um mecanismo biométrico de autorização fosse interessante. Se ‘não sabem assinar’, então ‘ponham o dedo’, à moda de antigamente, já que estas modernices de nomes de utilizador, palavras chave, códigos secretos, assinaturas digitais e outras que tais são demasiado complicadas.

E se algum problema ocorrer por causa dessa falta de instrução, deveriam os responsáveis ser mandados, a título de castigo, para os bancos da escola – de informática, naturalmente – para perderem o medo do ‘bicho papão’ que, afinal, não come ninguém, e para abandonarem de uma vez por todas esse grupo em extinção dos analfabetos informáticos.

terça-feira, 13 de julho de 2010

O inevitável Mundo Novo


Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 12 de Julho de 2010


As tecnologias da informação e comunicação (TIC) permitem, hoje em dia, a recolha, processamento, troca e manutenção de espantosos volumes de informação. A sua utilização possibilita, em teoria ou na prática, um controlo sobre tudo o que fazemos (ou não fazemos), muito para além das então arrojadas – e, certamente, visionárias – ideias subjacentes a obras de ficção tão emblemáticas como ‘1984’ de George Orwell, ou o ‘Admirável Mundo Novo’ de Aldous Huxley. Pode dizer-se que, em muitos aspectos, a realidade ultrapassou já a ficção.

Tecnologicamente, é hoje possível um controlo rigoroso de tudo o que se faz, quando se faz, como se faz e onde se faz, para além de se poder manter informação detalhada sobre como somos e como estamos. De facto, sem nos darmos conta, já quase achamos natural que desde que saímos de nossas casas até que regressamos estejamos sob videovigilância. Também não nos apercebemos que sempre que mantemos o telemóvel ligado é registada, num qualquer sistema, a nossa localização. Sempre que se utiliza um meio de pagamento electrónico ou sempre que recorremos a um caixa automático há uma identificação inequívoca do que se fez e onde se fez. Sempre que acedemos à Internet, dados sobre o tráfego realizado têm obrigatoriamente que ser registados. Sempre que procedemos ao pagamento automático de uma portagem ou estacionamento, algo regista onde estivemos e por onde passámos. Sempre que iniciamos ou terminamos um período de trabalho, tal é registado, muitas vezes com recurso a identificação por dados biométricos. Sempre que recorremos a um sistema de saúde, dados clínicos são registados e processados.

Naturalmente que todas estas acções – com cobertura legal irrepreensível – são executadas a bem da segurança, da organização, da comodidade, da saúde, do progresso, etc., etc., mas se muitos de nós tivéssemos lido descrições delas há vinte anos atrás num qualquer romance ou obra de ficção sobre uma qualquer sociedade do futuro ficaríamos, certamente, preocupados. Afinal, a História já nos ensinou – infelizmente demasiadas vezes – que muitas ditaduras e atentados à liberdade são perpetrados em nome da segurança, da organização, da comodidade, da saúde e do progresso.

Por outro lado, quantos de nós estariam dispostos a abdicar de tantas comodidades só possíveis devido às TIC? Poderiam as sociedades modernas sobreviver sem as ferramentas de combate ao crime que elas potenciam? Queremos deixar de poder tirar partido das TIC para apoiar doentes, proteger crianças, promover a cultura, apoiar o comércio, defender a mobilidade e garantir a liberdade? Certamente que ninguém defende tal posição.

As TIC são poderosas armas, sem as quais já não podemos sobreviver. Cabe a todos nós estarmos conscientes do poder destas armas, por forma a podermos lidar com as ameaças que representam e com as oportunidades que nos oferecem, num Mundo Novo que tem tanto de admirável como de preocupante, mas que é, sobretudo, inevitável.

terça-feira, 6 de julho de 2010

A superioridade do erro


Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 29 de Junho de 2010


Todos nós já ficámos, uma ou outra vez, espantados com o que os computadores fazem, de tal forma que muitas vezes nos esquecemos de que são apenas máquinas. Por outro lado, espanto e admiração levam, frequentemente, à desconfiança e, não raramente, a afirmações contraditórias como “se está no computador é porque é certo” ou “deve tratar-se de um erro de computador”. Curiosamente, nenhuma destas afirmações é correcta já que, por um lado, os computadores são falíveis e, por outro, nunca se enganam. Será isto uma contradição? De facto, parece, mas está longe de o ser.

A falibilidade dos computadores resulta quer de avarias de hardware (as componentes ou circuitos electrónicos de que são feitos) quer de erros de software (os programas que por eles são executados). As falhas dos computadores são, de facto, bastante frequentes, podendo levar à sua completa inoperacionalidade.

Mas se os computadores falham, porque é que é incorrecto dizer que se enganam? Simplesmente porque os computadores não raciocinam, ou seja, não pensam, não são inteligentes. Apesar de poderem executar tarefas extremamente complexas, essa execução é ditada, directa ou indirectamente, por quem desenvolveu os programas em execução. E essa execução é cega, repetitiva, previamente pensada e determinada, obedecendo à lógica, seja ela perfeita ou imperfeita, do ou dos autores dos programas. Havendo erros – que os há frequentemente – não são do computador, mas sim das pessoas que determinaram o que a máquina deve fazer e como.

O engano e o erro são, de facto, prerrogativas da inteligência. E sendo certo que não existe uma definição consensual de inteligência, não é menos certo que ela é muito mais do que simples lógica, armazenamento e análise de dados ou representação de conhecimento, passando por criação e comunicação de ideias, consciência, capacidade de reflexão, capacidade sensorial, entre muitos outros aspectos.

Por muito que a chamada inteligência artificial tenha evoluído – apesar das sucessivas promessas falhadas que levaram a um certo descrédito desta disciplina na década de 1990 – e por muito que venha a evoluir, nunca será capaz de efectivamente criar e substituir a verdadeira inteligência e, por isso, nunca será possível que um computador cometa um engano genuíno. Poder-se-ão criar ‘enganos artificiais’, poder-se-á imitar – sob comando último de quem concebeu o software – aquele “engano da alma, ledo e cego”, mas tal não passará de uma ilusão, qual truque de prestidigitador.

Afinal, já há mais de dois mil anos que os romanos perceberam que ‘errare humanum est’. Talvez este ditado milenar, que muitas vezes invocamos quase sem pensar, nos faça reflectir um pouco e nos ensine que, apesar dos inconvenientes, existe alguma superioridade no erro, quanto mais não seja pelo facto de o erro nos tornar humanos e, portanto, incomensuravelmente melhores do que simples computadores.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Sabe o que fazem os seus filhos (na Internet)?


Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 14 de Junho de 2010


É já um lugar comum dizer que a Internet pode constituir uma ameaça para muitas das crianças e jovens que a utilizam e que em relação a ela criam dependências cada vez mais preocupantes. À distância de alguns cliques encontra-se todo um mundo – mistura de realidade e ficção – que, de forma mais ou menos velada, pode entrar pela casa de cada um. Naturalmente, a primeira reacção de muitos pais preocupados é a de levantar barreiras a essa entrada, numa tentativa desesperada de impedir a ‘invasão’.

Como primeira arma, alguns pais recorrem a filtros, bloqueios e monitorização da actividade na Web. Gastam-se, por vezes, horas a experimentar ou afinar configurações e soluções de filtragem e monitorização que, diga-se de passagem, a maioria dos jovens ultrapassa facilmente. Trata-se de mecanismos tecnológicos, pouco eficazes, que não lidam com o problema principal, que é de natureza social.

Sendo certo que, ao contrário de muitos jovens, a esmagadora maioria dos pais – e, também, dos educadores e professores – não está tecnologicamente preparada para lidar com os desafios da Internet e das tecnologias da informação e comunicação (TIC), não é menos certo que estão ainda menos preparados para enfrentar a revolução social que estas tecnologias provocaram.

A Internet mudou radicalmente as formas de interacção e comunicação e, por conseguinte, as formas de socialização. Pela sua natureza, os jovens exploram todos os mecanismos de comunicação, privilegiando, naturalmente, novas formas de acesso à informação e a conteúdos, nas quais se incluem o instant messaging, o acesso Web, os blogs e as redes sociais. A sua necessidade de comunicação e interacção é de tal forma grande que, na maior parte dos casos, tal necessidade se sobrepõe à evidente falta de privacidade que muitos desses meios potenciam. Faz-se e tolera-se na Net aquilo que nunca se admitiria na vida real.

Por seu lado, os adultos têm dificuldade em acompanhar a rapidez de aprendizagem e de adaptação dos jovens, já para não falar da rapidez de mudança do Mundo que, como alguém disse, ‘mudou nas últimas três semanas’. E a rapidez da mudança é tal que têm dificuldade em compreender que o problema não está na mudança, mas sim na forma como se lida com ela.

Mais importante do que estabelecer regras, filtros ou proibições é levar as crianças e os jovens a compreender riscos, identificar ameaças e tomar decisões, estejam os perigos na Net ou fora dela. Mais importante do que levantar barreiras tecnológicas e perder horas a estudar e configurar filtros é aplicar esse mesmo tempo a quebrar barreiras geracionais, falando com os jovens sobre esse e todos os outros assuntos. Mais importante do que saber o que os seus filhos fazem na Internet é ganhar a sua confiança para que eles lhe falem sobre o que fazem em todo o lado. Se isso for conseguido, então a Net será para todos – adultos e jovens – um estimulante desafio e nunca uma ameaça.

terça-feira, 1 de junho de 2010

A pandemia silenciosa


Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 31 de Maio de 2010


Apesar de dezenas de milhares de anos de Civilização, todos reconhecemos que não são hoje poucos os factores que constantemente a ameaçam. Alguns destes revelaram-se recentemente como especialmente perigosos: as catástrofes naturais e as pandemias de gripe. Terramotos e tsunamis reclamam vidas e destroem países. Vulcões paralisam continentes, provocando perdas económicas avultadíssimas. A recente pandemia de gripe H1N1 – felizmente muito menos mortífera que a provocada pela variante do mesmo vírus que, em 1918-1919 matou entre 50 a 100 milhões de pessoas – realçou, mais uma vez, a fragilidade de pessoas, organizações, sistemas produtivos e sistemas económicos.

A par com as forças da natureza que nos relembram todos os dias a nossa extrema fragilidade, uma outra pandemia grassa, silenciosa e ameaçadora: os vírus informáticos.

Julgará o leitor que muito exagero existirá nesta curiosa afirmação. Por um lado, que mal virá ao Mundo pelo facto de existirem vírus informáticos? Por outro, será que são assim tantos os computadores infectados, a ponto de fazerem alguma diferença? É precisamente por se negligenciar uma ameaça que ela se torna muito mais perigosa. Analisemos, então, a questão.

Os computadores e as redes que os interligam são, hoje em dia, indispensáveis para todas as infra-estruturas críticas. Nestas incluem-se as redes de produção e distribuição de energia, as redes viárias e de transportes, os serviços de emergência, os sistemas hospitalares, entre muitas outras. Todas as actividades de produção e de serviços dependem de forma crítica das tecnologias da informação e comunicação (TIC). Na eventualidade dos sistemas informáticos serem afectados em larga escala por vírus, ficando inoperacionais, as consequências poderiam ser muito mais graves do que as de um terramoto, de um tsunami ou de pandemias biológicas, podendo, mesmo, acarretar avultadas perdas de vidas humanas.

Será que tal cenário é possível? Existem casos documentados de ataques informáticos distribuídos que envolveram dezenas de milhões de máquinas – os chamados botnets - ou que tornaram inoperacionais durante várias horas grandes partes da Internet. Os botnets continuam a existir e a crescer em número e dimensão de dia para dia, sem que os utilizadores dos computadores que deles fazem parte – denominados zombies – estejam conscientes disso. Muitos botnets são ‘inofensivos’, mas há quem esteja interessado em causar o maior impacto negativo possível. E para esses, o expoente máximo será o vírus que consiga tornar inoperacional a maior parte dos computadores e da Internet, a qualquer preço, independentemente das consequências disso.

Tal como todos os bebés que, ao nascer, são já doentes, idosos de 9 meses, também os computadores vêm já ao Mundo sob a ameaça de uma pandemia instalada, silenciosa e galopante, que tem o real potencial para afectar de forma drástica a vida todos os seres do planeta.

terça-feira, 18 de maio de 2010

A favela informática


Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 17 de Maio de 2010


Existem vários factores para o sucesso e dois deles são, reconhecidamente, o planeamento e a organização. A esse respeito, as tecnologias da informação e comunicação (TIC) podem ser um instrumento precioso, apoiando activamente a preparação, gestão e execução de projectos. Curiosamente, a realidade parece apontar para o facto de que é no planeamento e projecto das próprias infra-estruturas e serviços de TIC que mais se viola as boas práticas metodológicas de engenharia.

São frequentes os casos em que os sistemas de informação nas organizações evoluem à medida das necessidades do dia-a-dia, sendo compostos por múltiplos sistemas disjuntos e não comunicantes, constituindo um mosaico que tem muito mais de artesanal e artístico do que de tecnológico. Tal reflecte-se, inevitavelmente, na qualidade do trabalho realizado e dos serviços prestados.

Na prática, poucos são os casos nos quais se elabora previamente um projecto de TIC antes de se passar à implementação. Contacta-se um fornecedor (o construtor do ‘edifício’) e pede-se-lhe que implemente uma solução para determinado problema (o ‘edifício’ a construir), sem que haja necessidade de elaborar qualquer especificação (o projecto). Imaginemos nós que procedíamos assim para construir um edifício. Qual seria o município que autorizaria essa prática?

Infelizmente, até entidades financiadoras e programas de ‘desenvolvimento’ adoptam esta postura. Não se exige planeamento e projecto para as TIC. Pelo contrário, se uma qualquer candidatura contemplar uma fase de análise e especificação é vista com maus olhos, pois tal é um (errado) indicador de que o promotor não sabe o que quer. Assim, privilegia-se a execução de ‘soluções concretas e bem definidas à partida’ . Assim, financiam-se, sobretudo, acções já em curso, ainda que desgarradas e sem qualquer fio condutor ou lógica de projecto, para maximizar os indicadores de realização.

Não havendo projecto, na verdadeira acepção do termo, muito menos existe uma eficaz gestão, que é um ingrediente essencial para garantir o cumprimento de planos de trabalho e o alcance dos objectivos definidos. Não há, por fim, qualquer balanço ou avaliação dos resultados alcançados.

O produto final está à vista de todos: acções desgarradas, soluções que não servem, resultados que não existem, redes que não funcionam, impacto nulo, melhorias pontuais e superficiais que rapidamente são anuladas pelo aparecimento de novos requisitos ou desafios, operações de ‘cosmética’ informática mascaradas de simplificação de serviços, projectos fracassados.

Na era das chamadas novas tecnologias muito há que alterar, sobretudo em termos de metodologias e mentalidades. Temos, forçosamente, que mudar a forma como se concretizam os projectos de TIC se queremos prosperar num mundo que se rege cada vez mais por ordenamento e qualidade, abandonando, de uma vez por todas, a era da favela informática.

domingo, 9 de maio de 2010

A vida para além das TIC


Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 3 de Maio de 2010


Quando, na década de 1940, foram desenvolvidos os primeiros computadores, ninguém imaginava que menos de meio século depois eles revolucionariam o Mundo. Hoje, volvidos cerca de setenta anos, é praticamente impossível pensar numa actividade ou produto cujo desenvolvimento não seja condicionado pelas tecnologias da informação e comunicação (TIC). Com efeito, desde a agricultura à indústria espacial, passando por todas as actividades comerciais, industriais e de serviços, pela moda, pela cultura, pelo ensino e pelo lazer, tudo é afectado por estas tecnologias.

A par do desenvolvimento dos computadores, o desenvolvimento das redes de comunicação por computador e redes de telecomunicações foi, também, um factor de mudança do Mundo. A Internet – inicialmente de carácter experimental e restrito – é agora uma rede à escala global, tornando fáceis e baratas as comunicações que anteriormente eram difíceis e caras, aproximando pessoas e permitindo o acesso a informação de todo o tipo. A dimensão da Internet é de tal ordem que esta interliga não só equipamentos fixos como equipamentos móveis, num número que, em breve, ultrapassará o número de seres humanos no planeta Terra.

A vida parece girar em torno das tecnologias da informação e comunicação. Nasce-se, cresce-se e vive-se imerso nas TIC, definem-se políticas em função das TIC e traçam-se destinos de economias e nações com base em TIC. Dificilmente se contrata alguém que não tenha, pelo menos, conhecimentos básicos de TIC. Dificilmente se concebe o Mundo sem telemóveis, sem Internet, sem computadores, sem Google, Facebook ou YouTube.

Dir-se-á que a extraordinária divulgação e implantação das TIC se deve ao facto de estas aproximarem pessoas e permitirem o acesso um manancial de informação. Em teoria, é verdade. Na prática, está-se muito longe disso. Fala-se menos cara a cara porque se comunica mais através da Internet. Acede-se a grandes volumes de informação, mas facilmente se ignora a realidade que lhes está por detrás. Em muitos casos, comunica-se sem saber com quem, sendo frequentes os casos em que se interage não com pessoas mas sim com programas.

Paradoxalmente, os computadores e a Internet são, cada vez mais, a cortina que impede que realidade e sonho entrem pela janela que nos mostra o Mundo. Não que tenham sido pensados para isso. Não que não nos possam ligar ao que é real e concreto. Não que não possam transportar o engenho e a criatividade a alturas inimagináveis. A questão é que somos humanos e, como tal, cometemos muitos erros antes de usar bem as ferramentas que nós próprios criamos. Temos, afinal, que (re)aprender a utilizar as chamadas novas tecnologias de forma a que estas nos ajudem a desfrutar da vida que existe e se estende muito para além das TIC.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

A arte da Informática


Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 19 de Abril de 2010


Não será necessário ser um grande mestre – tal como o foi na arte da guerra o Mestre Sun Tzu ou na arte da estratégia Alexandre Magno – para reconhecer que existem duas aproximações fundamentais para resolver um problema complexo: dividi-lo em sub-problemas mais simples e/ou trabalhá-lo com uma equipa suficientemente forte ao invés de o tentar resolver sozinho. Também na área da Informática estas aproximações são válidas, embora encontremos a cada passo exemplos que nos parecem indicar o contrário.

Um erro comum, muitas vezes confundido com a estratégia de divisão de um problema complexo – os sistemas de informação – em sub-problemas tratáveis, é o da replicação de soluções, normalmente entendida como a repetição de uma mesma ‘receita’ em situações e organizações similares.

Curiosamente, esta abordagem - muito incentivada em programas de financiamento, que favorecem o desenvolvimento e instalação de soluções replicáveis - pode complicar fortemente o problema global. Por um lado, facilita-se uma primeira abordagem para um problema parcelar mas, por outro, as soluções replicadas raramente se integram naturalmente com outras soluções parcelares existentes, até porque não resultam de uma visão abrangente e global dos sistemas de informação nas organizações.

A replicação informática tem, ainda, um outro aspecto extremamente negativo, que é o desperdício de meios materiais (hardware e software) e de meios humanos (gestores de sistemas e redes), que decorre de não se tirar efectivo partido de eficiências colectivas e de economias de escala facilmente conseguidas com as actuais tecnologias da informação e comunicação (TIC).

Um exemplo muito frequente desta situação é o dos serviços de Internet mais comuns, como sejam o correio electrónico ou os serviços Web. Com efeito, muitos são os serviços da administração pública que têm os seus próprios servidores de correio electrónico e de páginas Web – com os consequentes gastos em termos de investimento, funcionamento e manutenção – quando, actualmente, é perfeitamente possível ter servidores que suportem múltiplas entidades, centenas de milhares de contas de correio e largas centenas ou milhares de sítios Web.

No fundo, replicar é pulverizar, em vez de agregar. E é na agregação e integração de soluções - ou seja, na junção de forças e equipas para resolver problemas grandes e complexos - que reside a chave do sucesso das TIC. Os serviços e as soluções devem ser, tanto quanto possível, integrados, agregados e concentrados. A sua utilização, por outro lado, deve ser distribuída, por forma a partilhar soluções, diluir custos e rentabilizar meios.

Em conclusão, a concepção, concretização e exploração de sistemas informáticos é uma actividade que obedece, como muitas outras, a critérios simples de objectividade, razoabilidade e racionalidade. Há que compreender os problemas, analisar requisitos, especificar sistemas, conhecer ferramentas, escolher soluções, colocá-las no terreno e avaliá-las. Deve-se subdividir problemas, partilhar soluções e agregar meios se e quando tal for vantajoso, não perdendo nunca de vista a perspectiva global, indispensável à eficácia dos sistemas de informação. Como diria Mestre Sun, se fosse vivo e se se dedicasse às ‘guerras’ das TIC, é esta a arte da Informática.

terça-feira, 6 de abril de 2010

Bits, bytes, mega e giga


Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 5 de Abril de 2010


Em Português corrente utilizam-se, cada vez mais, alguns termos relacionados com as tecnologias da informação e comunicação. Tal é perfeitamente natural, dado que estas tecnologias entram constantemente pelas nossas vidas, quer queiramos quer não. Apesar disso, muitos termos são utilizados sem que o seu significado exacto seja conhecido pela maioria das pessoas que os utilizam. Aqui fica uma tentativa – mais uma, diria – de clarificar o significado de alguns.

Um ‘bit’ (contracção de binary digit) é a mais elementar unidade de informação processável por equipamentos digitais binários, podendo assumir apenas dois valores lógicos: 0 ou 1. Esta característica facilita enormemente quer o armazenamento, quer o processamento quer, ainda, a transmissão de informação, estando na base do funcionamento de todos os dispositivos digitais.

Normalmente, a informação não é processada com base em bits individuais, mas sim em grupos de 8 bits, designados ‘bytes’. De facto, em muitos casos, processam-se grupos de bytes (2, 4 ou mesmo 8) de cada vez, e não bytes isolados. Naturalmente que, dadas as actuais capacidades de processamento, armazenamento e comunicação dos computadores, os volumes de informação não se podem medir em bits ou bytes mas sim em múltiplos destas entidades básicas.

Quando se fala em velocidades de transmissão – mais correctamente, em débito binário – está a falar-se da quantidade de bits que são transmitidos por unidade de tempo. Neste caso, os prefixos utilizados, como sejam, quilo, mega, giga, tera, etc., têm o mesmo significado que no sistema internacional de unidades. Assim, um quilobit por segundo (1 Kbps) corresponde ao envio/recepção de 1000 bits num segundo, 1 megabit por segundo (1 Mbps) corresponde ao envio/recepção de 1.000.000 de bits num segundo, 1 gigabit por segundo (1 Gbps) a mil milhões de bits num segundo, e 1 terabit por segundo (1Tbps) corresponde a um milhão de milhões, ou seja, um bilião (1.000.000.000.000) de bits por segundo.

Já quando se fala em capacidade de memória, seja ela central ou secundária (isto é, disco, CD, DVD, ou outro), a base é o byte – e não o bit – pois essa é a unidade mínima de leitura ou escrita na memória. Existe, ainda, outra diferença em relação ao caso da transmissão: no caso do armazenamento em memória, os prefixos quilo, mega, giga, tera, etc., não correspondem a 10**3, 10**6, 10**9, 10**12, etc., mas sim à potência de 2 mais próxima dessa quantidade. Assim, 1 Kbyte (abreviado 1 KB) não são 1000 bytes mas sim 1024 bytes, isto é, 2**10 bytes; 1 Mbyte (1 MB) são 1024×1024 bytes, ou seja, 2**20 bytes ou, ainda, 1.048.576 bytes; 1 Gbyte (1 GB) são 1024×1024×1024 bytes, ou seja, 2**30 bytes ou, ainda, 1.073.741.824 bytes; e, por fim, 1 Tbyte (1 TB) são 1024×1024×1024×1024 bytes, ou seja, 2**40 bytes ou, ainda, um bilião, noventa e nove mil e quinhentos e onze milhões, seiscentos e vinte e sete mil e setecentos e setenta e seis bytes.

Com tantos e tão grandes números, dá mesmo vontade de esquecer estes detalhes técnicos, abrir o computador e navegar um pouco na Internet para descontrair. Mas cuidado, pois nem tudo o que se encontra lá está correcto, a começar por certas definições de bits, bytes, mega, giga e outros termos técnicos.

quarta-feira, 24 de março de 2010

A informática do papel


Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 22 de Março de 2010


Hoje em dia, a informática é reconhecida por todos como uma ferramenta essencial para a chamada ‘desmaterialização’ de processos. De facto, as tecnologias da informação e comunicação revolucionaram o Mundo e o seu potencial continua, felizmente, longe de estar esgotado. Com a informática consegue-se, para além de poupar árvores, reduzir custos e tornar os processos muito mais leves e eficientes. Meditemos um pouco para ver até que ponto este ‘lugar comum’ pode, afinal, estar longe da verdade.

Quando nos meados da década de 1980 começaram a surgir as primeiras aplicações de escritório electrónico, a promessa do escritório sem papel foi de imediato apregoada: em poucos anos, toda a informação passaria a ser processada pelos computadores. No entanto, volvido um quarto de século, constata-se – para espanto de quem, como o autor destas linhas, testemunhou a promessa inicial – que nunca houve tanto papel nos escritórios, repartições, serviços e empresas como actualmente.

Se a promessa de menos papel não se cumpriu, certamente que outras vantagens houve, nomeadamente em termos de custos: agora, muita informação não chega a ser impressa. É, em parte, verdade. No entanto, em muitos casos o que acontece é que há uma transferência de custos de impressão. Anteriormente, quem produzia a informação imprimia-a, e quem a consumia lia-a já impressa. Agora, quem produz a informação não a imprime, passando esse ónus para quem a consome. Pensemos, por exemplo, nos bilhetes electrónicos ou nos check-in feitos pela Internet. De um simples cartão de embarque passou-se para uma, duas ou três folhas A4 impressas ... pelo cliente.

Mas então toda a agilidade, leveza e eficiência de processos que se tem vindo a anunciar nos últimos anos não será uma vantagem? Caso seja atingida, naturalmente que é. O problema é que em muitos casos a informática é usada para tornar o que era simples mais complexo e pesado. Porque se podem processar muito mais dados, existe a tendência de solicitar todo o tipo de informação. Recentemente, num processo de candidatura, só as instruções para preenchimento das várias dezenas de quadros do formulário estendiam-se por cerca de duzentas páginas, certamente impressas por muitos dos concorrentes. Quantos processos são verdadeiramente simplificados, quer do ponto de vista da entidade que os promove e controla, quer do ponto de vista de quem os utiliza? E quantos passam sem um arquivo em papel e/ou sem uma assinatura? Infelizmente, ainda muito poucos.

Não podemos, no entanto, escamotear que existem progressos notáveis em diversos sectores e inúmeros casos de sucesso. A verdade é que esses progressos e casos de sucesso não foram nem fáceis de atingir nem baratos. É muito mais simples, certamente, deixar que a informática nos conduza a maiores consumos de papel, a maior complexidade dos processos e a um mais apertado ‘espartilho’ para as organizações.

A realidade é que a ‘desmaterialização’ é um processo trabalhoso, difícil de concretizar e com custos que podem ser consideráveis. É, no entanto, um esforço que quer as organizações quer as pessoas têm que fazer, sob pena de ficarmos condenados ao insustentável peso da informática do papel.

quinta-feira, 11 de março de 2010

O melhor computador


Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 8 de Março de 2010


Num mundo cada vez mais digital, no qual os computadores e a informática assumiram um papel de extrema importância para o progresso e o bem estar da Humanidade, difícil de imaginar há apenas duas ou três décadas, é fundamental e, até, perfeitamente natural, que as escolas – desde as básicas às superiores – utilizem e explorem as chamadas novas tecnologias. Afinal de contas, as escolas devem estar na linha da frente no que diz respeito à actualização tecnológica.

De repente, as escolas encheram-se de computadores, quadros interactivos, redes, planos tecnológicos e outras ‘modernices’. Qualquer escola que se preze – sobretudo se quer ficar bem na ‘fotografia’ – tem que apostar nas novas tecnologias. Qualquer aluno que se preze tem que fazer os seus trabalhos em computador, muito bem formatados e impressos em impressora laser a cores.

Curiosamente, li há poucos dias (numa mensagem de correio electrónico que recebi no meu inseparável computador) uma notícia sobre um professor de uma escola que não admite qualquer tipo de equipamento electrónico nas suas aulas, seja ele um computador, um PDA, um telemóvel ou outro qualquer dispositivo. Pensar-se-á que será um professor antiquado, numa qualquer escola retrógrada num obscuro país mas, de facto, trata-se de um dinâmico docente numa conceituada escola nos Estados Unidos da América.

Pois esse professor teve a coragem de assumir que o papel dos professores é insubstituível, que os conhecimentos, espírito critico e experiência de muitos anos são algo que se transmite pessoalmente, que a interacção entre professores e alunos é de primordial importância para a aprendizagem, que a atenção e concentração dos alunos é mais importante do que a distracção e dispersão provocadas por ferramentas tecnológicas mal dominadas por muitos alunos e alguns professores, que nas aulas e em tudo o mais o que é importante é o conteúdo e não a forma, que mais vale um trabalho de uma página escrito à mão que revele raciocínio próprio e ideias sólidas do que um trabalho de vinte ou mais páginas de ‘copy’ e ‘paste’ retirado da Internet.

Mas será, então, errado utilizar as tecnologias da informação e comunicação no ensino? Evidentemente que não. A questão chave é que estas tecnologias são uma ferramenta – importante e indispensável, é certo – mas não um fim em si mesmas. E como ferramentas que são, podem ser bem ou mal utilizadas. Podem ser auxiliares preciosos na descoberta e na aprendizagem, ou podem servir para ofuscar a mente, deslumbrando quem as utiliza e impedindo, dessa forma, que se distinga o que é essencial do que é acessório.

As tecnologias da informação e comunicação têm que ser encaradas, acima de tudo, como uma oportunidade para ensinar melhor. Há, no entanto, que saber escolher os melhores momentos para as utilizar e a melhor forma de tirar partido delas.

Há, sobretudo, que não esquecer que o melhor computador de todos é o cérebro humano e que é esse computador que tem que ser ensinado a pensar, a resolver problemas, a aprender e a inovar. Afinal, esse computador é o único que nunca fica obsoleto e é com ele que os alunos vão trabalhar durante toda a sua vida.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Optar pelas nuvens, com os pés assentes na terra

Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 22 de Fevereiro de 2010


Os organismos, entidades e empresas que têm os pés assentes na terra conhecem bem os custos de adquirir e manter infra-estruturas e serviços de TIC (tecnologias da informação e comunicação) com recurso a meios próprios. Para além de equipamento computacional, postos de trabalho, software e serviços, há que ter em atenção que as infra-estruturas de TIC exigem a atenção constante de gestores de sistemas e redes, profissionais especializados que têm a seu cargo a operação, manutenção, monitorização e optimização de todos os sistemas. Funções como a gestão de parques informáticos, gestão de configurações e gestão de segurança informática assumem um papel crítico nas modernas organizações, não podendo ser deixadas ao cuidado de ‘curiosos’ ou amadores, sob pena de se colocar em risco toda a actividade.

O desenvolvimento de tecnologias de rede capazes de funcionarem a elevados débitos (dezenas ou, mesmo, centenas de gigabits por segundo) potenciou que, presentemente, muitos dos serviços de TIC possam ser fornecidos remotamente, o que reduz em muito as necessidades de investimento, de operação e manutenção locais.

Recentemente, o conceito de grid computing – normalmente associado à cooperação de vários servidores interligados entre si, de forma a resolver um problema específico, tipicamente envolvendo cálculo intensivo – foi estendido, daí resultando o conceito de cloud computing. Neste caso, o que se pretende é a utilização de múltiplos recursos computacionais, interligados através da Internet (normalmente representada por uma nuvem, ou cloud) de forma a fornecer serviços aos utilizadores independentemente da sua localização e do dispositivo que estão a utilizar para se ligarem à rede. Os recursos (por exemplo, redes, servidores, espaço de armazenamento, aplicações ou serviços) são partilhados por diversas entidades ou utilizadores, disponibilizados a pedido e geridos com o mínimo de sobrecarga de gestão.

O conceito de cloud computing fornece vários modelos de funcionamento e de utilização de recursos, a saber:
  • Software as a Service (SaaS) – em vez de adquirir e instalar licenças de software para as diversas aplicações nos seus equipamentos, as entidades utilizadoras acedem a essas aplicações através da rede, pagando a sua utilização a um fornecedor de serviço;
  • Platform as a Service (PaaS) – um fornecedor de serviço disponibiliza uma plataforma de software para que as entidades utilizadoras desenvolvam as suas aplicações e as alojem;
  • Infrastructure as a Service (IaaS) – o fornecedor de serviço disponibiliza máquinas virtuais, nas quais as entidades utilizadoras podem instalar o seu próprio software de sistema e software aplicacional.

O paradigma da computação em nuvem é, cada vez mais, aceite e adoptado por organizações modernas, que sabem distinguir entre o que devem fazer elas próprias – porque nisso são especializadas – e o que devem adquirir a outros. É um modelo a ter em conta e a seguir pelas administrações central e local, que teimam em replicar até à exaustão serviços que todos poderiam partilhar, desperdiçando, desta forma, todo um potencial para economias de escala. É caso para dizer que optar pela computação em nuvem é a melhor forma de manter os pés assentes na terra.


Fernando P. L. Boavida Fernandes
Professor Catedrático da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra
Presidente do Conselho de Administração da Associação Coimbra Região Digital

Viagens na minha terra

Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 8 de Fevereiro de 2010


Não vou falar de viagens em barco a vapor, nem de caminhos-de-ferro nem de estradas de pedra, até porque nem de longe nem de perto posso aspirar ao engenho do nosso ilustre romancista, poeta, dramaturgo e político do século XIX, Almeida Garrett (tão pequeno é o meu engenho, que tenho, até, que lhe pedir emprestado o título de uma sua obra prima). Vou, antes, falar daquilo que as modernas tecnologias podem fazer pelas viagens e pelos viajantes que as empreendem, por forma a mostrar o que por cá há e o que por cá se faz.

O forte desenvolvimento registado em anos recentes em termos de tecnologias da informação e comunicação, em particular nas áreas da Internet, comunicações móveis e convergência das redes de telecomunicações e redes de computadores, possibilita e potencia o desenvolvimento de um vasto leque de aplicações para as chamadas redes de conteúdos ou redes de comunidades.

As tecnologias e equipamentos existentes no mercado estão suficientemente estabilizadas para permitir o desenvolvimento de um conjunto de serviços extremamente inovadores, mesmo quando considerado o panorama internacional, que dêem resposta a um vasto leque de problemas, nos quais claramente se incluem problemas urbanos de grande relevância para as comunidades, abrangendo vertentes como a gestão do espaço público, a acessibilidade e mobilidade urbanas, o comércio electrónico móvel (m-commerce), a cultura e o lazer. Os utilizadores acederão aos serviços quer através de dispositivos móveis (telemóveis, PDAs) quer através de computadores pessoais (desktops, portáteis). Vejamos, no que se segue, alguns exemplo de possíveis serviços.

Agenda cultural – um serviço deste tipo poderá permitir que o utilizador tenha acesso à agenda cultural da cidade ou região, constituída por eventos publicados por um RSS feed. O utilizador poderá pesquisar e navegar pelos eventos/notícias disponíveis, podendo seleccionar um evento e colocá-lo na sua agenda pessoal.

História e monumentos – o serviço poderá alertar um utilizador para a proximidade de um monumento ou marco histórico relevante, à medida que ele se desloca na cidade, povoação ou região, disponibilizando-lhe informações variadas sobre esse ponto de interesse.

Circuitos turísticos – com este serviço será possível, por um lado, que um utilizador obtenha informação sobre circuitos turísticos e, por outro, que o utilizador registe a sua posição durante um passeio e possa analisar o seu trajecto posteriormente; poderá, ainda, assinalar pontos de interesse ao longo do trajecto e adicionar as suas próprias notas ou impressões.

Guia de transportes – um serviço deste tipo possibilitará, por um lado, que um utilizador consulte informação sobre os transportes urbanos (p. ex., linhas existentes, preços, horários) e, por outro, que este obtenha informação sobre quais os transportes a utilizar para viajar entre dois pontos da cidade ou região.

Gastronomia – com um serviço deste tipo será possível que o utilizador procure um restaurante numa lista pré-definida, quer por nome quer por características, seleccione um restaurante, faça uma reserva e armazene essa informação na sua agenda.

São inúmeras as aplicações potenciadas pelas novas tecnologias de comunicação móvel, sendo limitadas apenas pela imaginação. Referiram-se acima, a título de exemplo – e de desafio – apenas cinco possíveis tipos de serviços. Sejam eles um dia concretizados e “viajaremos com muito prazer e com muita utilidade e proveito na nossa boa terra”.


Fernando P. L. Boavida Fernandes
Professor Catedrático da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra
Presidente do Conselho de Administração da Associação Coimbra Região Digital

Resultados já ou soluções de futuro?

Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 22 de Janeiro de 2010


Nos dias de hoje tudo parece imediato. Nalguns casos, todos apreciamos a capacidade que existe hoje em fazer certas coisas bem e depressa, pois tal está por detrás de muito do desenvolvimento das civilizações. As tecnologias da informação e comunicação são, sem dúvida um dos potenciadores desta mudança revolucionária.

Quantas vezes, no entanto, os maravilhosos resultados imediatos comprometem a adopção de soluções de futuro? Infelizmente, na área do e-government – seja ele local ou não – vezes de mais se privilegia o impacto do imediato em detrimento da modernização consistente e planeada. Analisemos um pouco mais esta questão.

Muitas das iniciativas de modernização a que assistimos hoje estão assentes no pressuposto de que disponibilizando financiamento os resultados aparecem. A dura realidade mostra-nos que tal não é assim.

Primeiro, há que saber direccionar o financiamento para acções e actividades que tenham em vista a criação de condições infra-estruturais, isto é, para acções e actividades que criem a base sobre a qual se vai proceder à modernização. Há, também, que produzir linhas de orientação para o desenvolvimento dessas infra-estruturas – sejam elas físicas (por exemplo, redes, equipamentos, servidores), ou lógicas (por exemplo, sistemas de informação, ambientes aplicacionais) – sob pena de se aumentar a já demasiada elevada ‘entropia’. Tal compete, em grande medida, às entidades financiadoras.

Em seguida, há que apoiar a Administração Pública na definição de projectos concretos, globalmente consistentes e tecnologicamente niveladores, evitando-se assim um Estado a muitas velocidades, onde os que têm mais capacidade técnica e humana se modernizam e os restantes ficam cada vez mais para trás. Tal só conduz a desequilíbrios altamente prejudiciais para as regiões e, consequentemente, para as populações, sendo totalmente injustificado num País tão pequeno como o nosso. Infelizmente, a cultura da ‘competição’ – sempre apregoada como salutar – tem acentuado este efeito pernicioso, conduzindo a que o Estado compita com ele próprio e acentue as desigualdades no seu seio.

Para além disso, há que investir nos recursos humanos, sobretudo em termos de formação. Naturalmente, tem, ainda, que se proceder a um acompanhamento técnico – e não meramente formal ou administrativo – de todos os projectos, assegurando que produzem resultados adequados.

Em resumo, há que definir linhas de acção devidamente estruturadas e coordenadas, elaborar linhas de orientação, promover o nivelamento tecnológico e acompanhar, de um ponto de vista técnico, a execução dos projectos. Tem que se ultrapassar, de uma vez por todas, a cultura dos ‘resultados imediatos a qualquer preço’ e trabalhar para o desenvolvimento e modernização a médio e longo prazo. É isso que é feito nos países mais desenvolvidos, que definem planos e programas a dez ou quinze anos. Naturalmente que tal tem que ser feito envolvendo todos os parceiros relevantes, que incluem a administração central, a administração local e, não menos importante, as cidades e regiões digitais. Só assim se pode consolidar os resultados de hoje e trabalhar todos os dias para um melhor Amanhã.


Fernando P. L. Boavida Fernandes
Professor Catedrático da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra
Presidente do Conselho de Administração da Associação Coimbra Região Digital

Conserto de Ano Novo

Artigo de opinião a publicar no diário ‘As Beiras’
em 4 de Janeiro de 2010


Julgará o leitor mais atento que existe um erro ortográfico no título, pois onde está ‘Conserto’ deveria estar ‘Concerto’. No que toca o e-Government local vejamos, no entanto, algumas razões para consertar (arranjar, reparar) alguns dos problemas que o afectam.

Nos últimos anos tem-se registado uma clara mudança, no sentido positivo, no estado de desenvolvimento do e-Government local. A mudança maior é, em meu entender, a mudança de atitude dos decisores e demais agentes da Administração Local, que tem levado a uma forte consciencialização da necessidade de optimizar processos e de prestar serviços aos cidadãos com a maior qualidade possível.

Paradoxalmente, essa maior consciencialização tem levado, em muitos casos, a uma ânsia de maximizar as medidas imediatistas e visíveis, em detrimento de medidas de fundo que levem a uma eficaz reestruturação e modernização. Neste contexto, são implementadas no terreno muitas medidas desgarradas que, a prazo, vão piorar a situação, dado que aumentam o número e complexidade de sistemas e não potenciam a adopção de soluções globais integradas.

Existe, assim, muito trabalho a fazer, que se poderá agrupar em três grandes áreas: infra-estruturas de TIC; sistemas de informação e aplicações; conteúdos e serviços on-line.

As actuais infra-estruturas estão, em geral, mal dimensionadas, deficientemente geridas e razoavelmente inseguras. Nesta vertente há uma claríssima necessidade de definição de uma arquitectura de referência e de recomendações em termos de tipos de soluções a implementar.

O desafio maior é, porventura, na área dos sistemas de informação. Actualmente, a maior parte das autarquias utiliza uma variedade de sistemas de informação parciais, cada um para a sua área ou sector, que não comunicam entre si. Isto leva a todo o tipo de ineficiências, prejudicando fortemente o desempenho e constituindo o maior obstáculo à disponibilização de serviços on-line. A integração dos diversos sistemas de informação parciais é, assim, uma prioridade.

É na área dos conteúdos e serviços on-line que têm ocorrido os maiores desenvolvimentos, especialmente na vertente de conteúdos. Apesar disso, ainda há bastante trabalho a fazer, em particular na selecção e garantia de qualidade dos conteúdos e, sobretudo, no aumento do número de serviços on-line. A este respeito, há que não esquecer que conteúdos em excesso são, por vezes, mais prejudiciais do que benéficos, pois dificultam o acesso à informação verdadeiramente útil. Por outro lado, idealmente, todo e qualquer serviço prestado de forma presencial deveria também poder ser prestado on-line, o que ainda está longe de acontecer.

De notar que muito do trabalho a realizar nas áreas dos sistemas de informação e das infra-estruturas exige meios humanos e financeiros consideráveis e não é, de imediato, visível para o exterior. Tem, por isso, sido evitado pelo poder local. Uma forma de resolver este problema será lançar programas/projectos específicos para o efeito, cujo sucesso não seja medido pela concretização de um número mais ou menos elevado de medidas visíveis para o utilizador, mas sim pela efectiva e quantificada melhoria de sistemas e infra-estruturas. Infelizmente, as actuais iniciativas e modelos de financiamento não têm direccionado o desenvolvimento para estas áreas fundamentais o que, em muitos casos, dificulta seriamente o desempenho, o fornecimento de serviços e a disponibilização de conteúdos. Se tal tivesse acontecido, estaríamos agora a falar de Concertos de Ano Novo e não de um tão necessário Conserto para o Ano de 2010.


Fernando P. L. Boavida Fernandes
Professor Catedrático da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra
Presidente do Conselho de Administração da Associação Coimbra Região Digital

Que outro valor mais alto se alevanta

Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 14 de Dezembro de 2009


Peguemos num jornal ou revista de economia e, inevitavelmente, nalgum ponto aparece um artigo ou um trecho que se refere a tecnologias da informação e comunicação (TIC). Peguemos num jornal ou revista de informática e, inevitavelmente, encontramos uma referência à economia. Em regra, pensa-se sempre no impacto que desenvolvimentos tecnológicos têm sobre a economia e vice-versa. No entanto, nos dias de hoje, pensar na economia não basta, já “que outro valor mais alto se alevanta”: o futuro do Planeta. As ameaças ao ambiente são, infelizmente, muitas, sendo importante tentar perceber de que forma podem as TIC ajudar na sua preservação.

Essencialmente podemos usar as TIC para três categorias de tarefas: 1) avaliar o ambiente e monitorizar a evolução de parâmetros fundamentais; 2) utilizar de forma mais eficiente os recursos existentes; 3) sensibilizar os cidadãos e divulgar boas práticas.

A primeira categoria de tarefas pode ser efectuada com recurso a redes de sensores, com ou sem fios. Este tipo de redes permite obter em tempo real – e de forma continuada – valores para uma série de parâmetros físicos como, por exemplo, temperatura, pressão, humidade, movimento, concentração de poluentes, etc., à escala de um processo industrial, de uma empresa, de uma cidade, de uma região, de um país ou do Globo. Utilizando redes de sensores acessíveis pela Internet é possível desenvolver e operar aplicações de controlo ambiental a partir de qualquer ponto do mundo, que alimentarão bases de dados e de informação vitais para compreender melhor e acompanhar quaisquer variações ambientais.

Quanto à utilização eficiente de recursos, as TIC podem ajudar de múltiplas formas. Por exemplo, é quase lugar comum dizer que com a informática há uma forte redução do papel em escritórios e organismos públicos e privados. Infelizmente, a prática é bem diferente. Se compararmos os gastos de papel antes e depois da generalização dos meios informáticos, facilmente constatamos que cada vez se gasta mais papel. Nesta matéria há que mudar práticas e legislação que, na maior parte dos casos, obriga, irracionalmente, a que a informação esteja em suporte de papel, mesmo sabendo que o suporte digital é mais duradouro, mais fiável e mais resistente a falsificações. Há, por exemplo, que generalizar a utilização dos mecanismos de assinaturas digitais, que têm já o mesmo valor legal das assinaturas manuscritas. A este respeito pode perguntar-se: quantos actos legais (por exemplo, em notários, tribunais, ministérios ou autarquias) são efectuados com recurso a assinaturas e documentos digitais?

A área na qual as TIC têm, sem margem para dúvida, tido o maior impacto é na sensibilização dos cidadãos. A Internet tem, entre muitos males e bens, o valor inestimável de dar voz aos cidadãos. Hoje em dia, qualquer pessoa pode produzir e publicar conteúdos na Internet. Quer as organizações quer os cidadãos individuais podem ‘fazer-se ouvir’, levando políticos, decisores e governos a actuar. E é de actuação que o planeta Terra precisa, para que possamos, de vez em quando, esquecer a economia, esquecer as TIC e reconhecer, com um sorriso confiante que, como escreveu Fernando Pessoa, “Grande é a poesia, a bondade e as danças... Mas o melhor do mundo são as crianças”.


Fernando P. L. Boavida Fernandes
Professor Catedrático da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra
Presidente do Conselho de Administração da Associação Coimbra Região Digital

Ovelhas não são para mato

Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 28 de Novembro de 2009


A informação é, para muitas das actuais organizações, o bem mais precioso. Porque tal facto é verdadeiro também para a Administração Local, tem esta efectuado um forte investimento em serviços de TIC (tecnologias da informação e comunicação), o que parece lógico e adequado. Neste contexto, cada município constitui os seus próprios serviços e correio electrónico, páginas Web, bases de dados, sistemas de informação, etc., com os consequentes gastos em equipamento, software, aplicações, licenciamento, manutenção e recursos humanos.

Será essa a estratégia adequada? Não se estará a confundir informação com serviços informáticos? Competirá às autarquias ‘reinventar a roda’ e ter caras infra-estruturas para assegurar serviços para os quais não estão nem devem estar vocacionadas? Não deverão as autarquias seguir o exemplo de inúmeras entidades empresariais por este Mundo fora, que recorrem a serviços de informática externos, sem prejuízo do total controlo sobre a sua informação?

De uma maneira geral, os profissionais da Administração Local são competentes e empenhados e conhecem bem os pontos fortes e fracos dos mecanismos, procedimentos, processos, sistemas e serviços. No entanto, sem ferramentas adaptadas às necessidades pouco pode ser feito para melhorar a eficiência e a qualidade do trabalho. Por ferramentas adequadas entende-se infra-estruturas de informática e comunicações, software adaptado e capaz de suportar processos optimizados, soluções globais testadas e a funcionar.

Naturalmente que não compete à Administração Local desenvolver essas ferramentas. Apesar disso, são muitas as tentativas para o fazer, inevitavelmente com resultados muito aquém das expectativas ou, até, com total fracasso. O papel da Administração Local nesta matéria deve ser o de definir requisitos, avaliar alternativas existentes, contratar desenvolvimento se não existirem soluções ‘chave na mão’ e supervisionar a sua correcta aplicação no terreno. Também naturalmente, em todos estes processos deve a Administração Local socorrer-se de aconselhamento especializado.

Aqui o papel das regiões digitais pode ser crucial e extremamente benéfico. Para além do aconselhamento especializado, as regiões digitais podem estar na base do fornecimento de soluções globais de serviços comuns de comunicações (por exemplo, soluções de e-mail, Web, etc.), de soluções aplicacionais disponíveis para todos os seus associados (por exemplo, soluções de gestão de processos, de facturação electrónica, de logística, de informação geográfica, de serviços on-line, etc.) e de soluções para disponibilização de conteúdos (por exemplo, plataformas de informação cultural, histórica, turística, etc.). Ao fornecer-se soluções globais e homogéneas, potencia-se a redução de custos por via da utilização eficiente de meios humanos e materiais, a replicação de soluções testadas e, não menos importante, a comunicação dentro de e entre diferentes administrações locais.

Às regiões digitais pode – e deve – deixar-se a espinhosa tarefa do desenvolvimento e fornecimento de soluções informáticas eficazes, libertando as autarquias para as funções para as quais têm vocação e elevada competência. Como diz a sabedoria popular, “ovelhas não são para mato”.



Fernando P. L. Boavida Fernandes
Professor Catedrático da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra
Presidente do Conselho de Administração da Associação Coimbra Região Digital

O lado complexo do Simplex

Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 13 de Novembro de 2009

Nos últimos anos temos sido bombardeados com um novo conceito: o Simplex. A força do neologismo parece funcionar como panaceia para muitos dos males da Administração Pública e não só (fala-se já de Simplex para a Ciência). Concentremo-nos no Simplex Autárquico e tentemos analisar objectivamente em que consiste.

A visão estratégica integrada subjacente ao programa Simplex Autárquico é adequada, compreendendo a optimização do funcionamento interno dos serviços municipais, a melhoria da qualidade dos serviços prestados aos munícipes, a promoção de uma melhor interacção entre diferentes administrações públicas e, ainda, a melhoria da transparência das actividades das autarquias.

Infelizmente, definir uma visão estratégica é apenas o primeiro passo para atingir objectivos, faltando, depois, a concretização que os permite alcançar.

As quase trezentas medidas definidas no programa de 2009/2010 do Simplex Autárquico têm naturezas distintas, dependendo da sua abrangência. As medidas inter-sectorias e inter-municipais são, de uma maneira geral, uma lista de funcionalidade desejáveis, umas em fase de levantamento de requisitos, outras em fase de projecto piloto e, a maioria, muito longe de uma concretização devido à sua complexidade. Deste ponto de vista, poder-se-ia dizer que o Simplex é, afinal, Complex, não porque pretenda complicar processos mas porque a sua efectiva implementação no terreno está longe de ser trivial. Quanto às mais de duas centenas e meia de medidas municipais são, salvo raras excepções, medidas desgarradas, pontuais, não integradas numa visão global de sistema de informação autárquico que, no imediato, exploram potencialidades isoladas das tecnologias de informação e comunicação, mas não resolvem problemas de fundo.

Nota-se, claramente, que a preocupação de muitos intervenientes no Simplex é a de mostrar que ‘há coisas a mexer’, essencialmente recorrendo à intensiva disponibilização de informação on-line, através de portais municipais que, na maioria dos casos, estão já sobrecarregados com informação.

Em termos de medidas a tomar, tem que começar-se por medidas infra-estruturais e de reorganização. Estas são as mais difíceis de implementar, por vários factores: exigem uma análise cuidada, alteram hábitos e processos, têm impacto nos sistemas de informação e, sobretudo, não são visíveis no imediato (o que dá a sensação errada de que nada está a ser feito ou de que o que foi feito para nada serve). Uma lista de muito alto nível poderia ser a seguinte:

  • Linha de acção 1 – reengenharia de processos
  • Linha de acção 2 – definição de uma arquitectura para sistemas de informação autárquicos
  • Linha de acção 3 – reformulação e racionalização de infra-estruturas e serviços de TIC
  • Linha de acção 4 – definição e instalação de aplicativos
  • Linha de acção 5 – disponibilização de serviços e informação on-line

Note-se que, actualmente, na maioria dos casos as medidas tomadas se encaixam na linha de acção 5, ficando as restantes – que a deveriam preceder - completamente a descoberto. Simplificar processos não pode ser sinónimo de ‘superficializar’ processos. Exige trabalho sério e medidas de fundo que, por um lado, simplifiquem a interface com o utilizador e, por outro, optimizem processos que, muitas vezes, são de complexidade inevitável.

Dado o seu papel estruturante e a sua vocação para a realização e coordenação de projectos abrangentes de natureza intra e inter-municipal, as Regiões Digitais poderão desempenhar um papel significativo em todo este processo.



Fernando P. L. Boavida Fernandes
Professor Catedrático da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra
Presidente do Conselho de Administração da Associação Coimbra Região Digital

O ‘face lifting’ das TIC

Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 30 de Outubro de 2009

A modernização e simplificação administrativas estão na ordem do dia, quer no que respeita a Administração Central quer no que respeita a Administração Local. Nesta matéria, quais devem ser as principais preocupações a ter em conta?

Quer a modernização quer a simplificação administrativas são processos que exigem um cuidado planeamento, que tem que passar por uma identificação precisa dos objectivos, das soluções, das metodologias, dos recursos humanos e, por fim, dos recursos financeiros. Como processos de engenharia ou reengenharia que são, têm que ser ponderados os riscos, os custos e os benefícios.

A modernização e a simplificação não podem ser encaradas como uma mera mudança de suporte de informação – do papel para o computador – ou, ainda, como uma mera mudança de canal de comunicação – do atendimento presencial para a interacção, quantas vezes demasiado rígida, via Internet – sob pena de se continuar a fazer os mesmos erros, agora com recurso às tecnologias da informação e comunicação (TIC). Infelizmente, são relativamente comuns os casos em que a informatização serve de justificação e desculpa para a inflexibilidade e para a prestação de serviços de má qualidade.

Neste contexto, as principais preocupações da Administração Local em matéria de modernização e simplificação administrativas devem centrar-se na identificação dos objectivos a atingir e na definição da estratégia a utilizar para os alcançar, de acordo com o seguinte:
• Objectivos de modernização e simplificação – quais os serviços de utilizador que se pretende melhorar e porquê? Que processos e fluxos de informação existem? Quais os seus problemas e fragilidades? Destes, quais são os que mais afectam o desempenho e a qualidade dos serviços prestados? Como poderiam ser melhorados? Existem riscos decorrentes da alteração desses processos e fluxos? Quais os benefícios dessa alteração?
• Estratégia a utilizar – A resposta às questões anteriores deve ser seguida de um estudo que permita a definição da estratégia a utilizar para atingir os objectivos traçados. Esse estudo deve contemplar aspectos como a arquitectura dos sistemas de informação subjacentes, as tecnologias e aplicativos a utilizar, os requisitos em termos de infra-estruturas de comunicação e processamento, os meios humanos envolvidos, os custos de implantação e de manutenção, as etapas e respectiva calendarização para a implementação.

Em resumo, é necessário definir o que fazer e como o fazer. De uma maneira geral, a Administração Local sabe bastante bem o que gostaria de fazer em termos de modernização e simplificação administrativas. Já o mesmo não se pode dizer quando ao ‘como fazer’.

Assim, as principais preocupações devem ser de planeamento e projecto, que constituem a única forma de caminhar para sistemas de informação coerentes e abrangentes, capazes de suportar a melhoria dos serviços.

Há que resistir, por todos os meios, à tentação de implantar no terreno soluções pontuais e parcelares que, no imediato, são um mero ‘face lifting’, dando a sensação de que há modernização. Infelizmente, no médio prazo essas soluções criam, frequentemente, sérios obstáculos à integração de sistemas de informação e à eficácia das interacções dentro e para o exterior dos serviços.

É na área do ‘como fazer’ que as regiões digitais podem desempenhar um papel que poderá ser bastante relevante.



Fernando P. L. Boavida Fernandes
Professor Catedrático da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra
Presidente do Conselho de Administração da Associação Coimbra Região Digital