terça-feira, 7 de setembro de 2010

A neo-burocracia


Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 6 de Setembro de 2010


A burocracia é a arte de tornar um processo simples em algo complexo, normalmente através do recurso à exigência de prestação de informação acessória que para nada serve. E se um dos principais mecanismos para burocratizar um processo é solicitar informação desnecessária, as tecnologias da informação e comunicação (TIC) podem ser uma extraordinária ferramenta, já que permitem a recolha e armazenamento de ‘toneladas’ de informação.

Mas afinal as TIC não servem para desmaterializar processos? Não estão, até, na base da esmagadora maioria das medidas de simplificação administrativa? As TIC têm, de facto, um elevado potencial para tornar os fluxos de dados mais ágeis e para possibilitar o acesso imediato à informação. Infelizmente, esse mesmo potencial permite lidar com muitos mais dados, a uma escala várias ordens de grandeza acima daquela que existia até ao seu aparecimento. Se a isso juntarmos a natureza burocrática dos povos latinos, ficam reunidas todas as condições para burocratizar qualquer processo até ao limite. O resultado é a neo-burocracia.

A máquina burocrática absorve e exige cada vez mais informação. Enormes volumes de dados engordam as bases de dados das mais variadas entidades. Parece existir uma ânsia de omnisciência e, por isso, qualquer interacção que tenhamos com uma dessas entidades é sempre uma excelente oportunidade para contribuir para aumentar a ‘obesidade mórbida’ destes sistemas, alimentando-os com mais alguns dados.

Com a desculpa e promessa da simplificação e agilização de processos, pedem-se dados, pré-registos, registos e certidões. Naturalmente, a partir daí bastará um simples acesso on-line, pois o sistema já tem toda a informação necessária ... até precisar de mais.

Há dias, a propósito de uma simples acção de formação, curiosamente sobre TIC, foi solicitado pelo serviço de cada um dos formandos o programa, os manuais e textos de apoio, os meios audiovisuais utilizados, a identificação dos formadores, a certificação da sua formação profissional, a ficha de inscrição do formando, a informação sobre o processo de selecção, os sumários das sessões formativas, as fichas de registo, as folhas de presença, as provas, testes e relatórios realizados, a avaliação do desempenho dos formadores, os relatórios e actas de reuniões realizadas, mecanismos de publicidade e divulgação da acção, e evidência de que a acção tinha sido realizada, entre vários outros elementos.

Sinceramente, achei que se tinham esquecido de pedir bilhetes de identidade dos participantes, números de contribuinte, certidões de nascimento dos próprios e dos ascendentes e descendentes até ao terceiro grau, comprovativos de pagamento de IRS, IMI e imposto de circulação, declaração da Segurança Social, carta de condução, atestado de robustez, cartão da ADSE, passaporte, etc., etc. Naturalmente, tudo em formato digital, para poder ser submetido on-line e tornar o processo muito mais simples. Afinal, é para isso que servem as TIC.