quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Dietas loucas


Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 27 de Novembro de 2012


Em certas sociedades – e, infelizmente, a nossa não é exceção – o Estado sempre foi um bom negócio. Quando é ineficiente, adquire bens e serviços para além do que seria necessário, sobre-dimensiona recursos e soluções, controla mal os gastos, engorda. Ciclicamente, quando atacado pela febre do emagrecimento, procura desfazer-se das soluções que tanto dinheiro lhe custaram e passa a recorrer a entidades externas para todo o tipo de serviços, sob pretexto, não comprovado, de um aumento da eficiência. Quer num quer noutro caso, ganham alguns e perdemos todos nós que, ora pagamos um Estado esbanjador ora não temos um Estado que continuamos a pagar.

Na área das tecnologias da informação e comunicação (TIC), a nova moda para o emagrecimento é a computação na nuvem (cloud computing). De repente, chegou-se à conclusão de que é mais eficiente utilizar as redes de comunicação para partilhar recursos informáticos, virtualizar infraestruturas e plataformas, aceder a serviços comuns, em vez de tentar reinventar a roda em cada serviço ou sector do Estado.

O que é curioso é que já há vários anos é possível tirar partido da partilha de recursos e serviços informáticos, mas sempre se preferiu a replicação desnecessária de meios. Existiriam muitos fatores para essa opção mas, seguramente, não eram de ordem técnica. Então porque é que agora se fala tanto em cloud computing, como forma de racionalizar os serviços de TIC do sector estatal? O que mudou? A resposta é simples: só agora existem condições de mercado para a contratação de um serviço externo dessa natureza, e fazê-lo com recursos internos é, presentemente, politicamente incorreto.

Não se pode assumir, no entanto, que a contratação de um serviço ao exterior seja, a priori, boa ou má. O preconceito é o primeiro passo para a tomada de decisões erradas, das quais é muito fácil encontrar exemplos em todas as áreas. O que é importante é analisar os prós e os contras de cada solução e tomar decisões fundamentadas, já que, ao contrário do que possa parecer, na área das TIC também não há soluções milagrosas.

Por exemplo, no que diz respeito ao cloud computing, várias questões devem ser colocadas. Quais os custos de uma solução de cloud computing comercial? Quais as poupanças que podem ser conseguidas? Essas poupanças são imediatas ou a prazo? Quando vão essas poupanças amortizar o investimento e custos de operação do cloud computing? Quais os riscos e problemas do cloud computing? Quais os custos potenciais desses riscos? Quais as implicações de sediar informação de natureza estatal em servidores operados por empresas privadas com fins comerciais?

Mas talvez o mais importante de toda esta problemática seja perceber que não se pode passar de um Estado gordo para um Estado esquelético sem grandes transtornos. É que dietas loucas sempre fizeram mal à saúde.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

De igual para igual


Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 20 de Novembro de 2012


Recebi há pouco, como muitos milhares de portugueses, uma motivadora mensagem de correio electrónico originária da Autoridade Tributária e Aduaneira, apelando à exigência de fatura em todas as vendas de bens e serviços.

No que diz respeito à substância do apelo, não poderia estar mais de acordo e esta iniciativa só me pode merecer elogios. Estima-se que se não existisse evasão fiscal e se todos os cidadãos pagassem os seus impostos não haveria défice orçamental e desapareceria a necessidade da tão famigerada austeridade.

Já no que diz respeito à forma da mensagem, tenho que confessar que me desagradou. Por um lado, pretende-se que a mensagem seja entendida como personalizada, pessoal até, sendo, nalgumas partes, quase emotiva, invocando a equidade, a justiça e o dever de todos nós. É a parte agradável, pois quase nos faz crer que, finalmente, o Estado começa a ter em conta a pessoa de carne e osso que mora em cada um de nós. Por outro lado, logo no início fui brindado com um “Ex.mo Senhor 143......”, seguido do meu nome à laia de complemento redundante e, por isso, perfeitamente dispensável.

É certo que todos temos que ter um número de identificação fiscal e que esse número é, provavelmente, aquilo que melhor nos identifica perante o Estado, já que é um número único, sem qualquer ambiguidade, ao contrário do nome. É certo que, de um ponto de vista informático, qualquer base de dados tem que utilizar esses identificadores únicos, chamados “chaves primárias” no jargão das tecnologias da informação e comunicação (TIC). Também é certo que a missiva que muitos de nós recebemos é uma mera mensagem gerada automaticamente, por um frio programa. Mas não é menos certo que quem configurou esse envio em massa poderia – deveria, direi eu – ter optado por não incluir na mensagem, logo a seguir ao “Ex.mo Senhor”, o número de identificação fiscal, incluindo simplesmente o nome. Desta forma, sim, teríamos uma mensagem muito mais coerente, muito mais pessoal, muito mais eficaz.

É que não há necessidade de acentuar aquela ideia que muitos de nós já temos de que somos apenas números numa gigantesca base de dados, que nos envia mensagens automaticamente para que os números passem a ser diferentes e o sistema se equilibre numericamente aos olhos dos que, interna e externamente, reduzem economias e sociedades a mais alguns números.

Somos pessoas! Este país, todos os países, são feitos de pessoas, que têm sentimentos, anseios, alegrias e desilusões. E todos os sistemas, todas as bases de dados, existem para nos servir e não o contrário.

Como nota final, também me desagradou o facto de a pessoa que tão cordialmente assina a mensagem não ter colocado o seu número de identificação fiscal antes do seu próprio nome. Daria, assim, o exemplo, pois estaria a falar de número para número, ou seja, de igual para igual.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Austeridade


Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 13 de Novembro de 2012


Nos dias de hoje muito se fala na austeridade como solução para a crise que nos assola. A crise, mero sintoma de um problema complexo, é atacada com uma única arma – a austeridade – automática e universalmente aceite, materializada em menor rendimento para os que trabalham e menos serviços de saúde, de educação e de segurança social para todos os cidadãos.

Curiosamente, por outro lado, pouco se fala nos problemas que estão por detrás do sintoma que é a crise, problemas esses que passam, pelo menos parcialmente, por uma boa dose de falta de racionalidade e rigor na utilização de recursos. Se não se gastasse tanto dinheiro mal gasto, talvez não houvesse tanta necessidade de reduzir a mínimos dramáticos as missões fundamentais do Estado, causando, de um momento para o outro, tanta comoção social.

É certo que, em rigor, nem devia ser necessário estar-se em crise para se falar na otimização da utilização dos meios disponibilizados ao Estado, pagos por todos nós, já que quer em tempos de crise quer fora dela deve ser minimizado o esforço financeiro pedido aos contribuintes.

Infelizmente, não é preciso procurar muito para, em qualquer sector, se encontrarem exemplos de gastos desnecessários. A área das tecnologias da informação e comunicação (TIC) não é exceção.

Um exemplo gritante é o da utilização de todo o tipo de pacotes de software requerendo elevados gastos anuais de licenciamento, apesar da existência de soluções equivalentes de utilização livre (o chamado “open source”). Se contabilizarmos os gastos de licenciamento de software na administração central e local, certamente se atingirão valores de vários milhões de euros. Será que somos mais ricos do que países como a França e a Alemanha, que recorrem a software de utilização livre nas suas administrações?

Ainda no domínio das TIC, a proliferação descontrolada de serviços e plataformas informáticos, replicados até à exaustão em cada sector da máquina do Estado, financiada durante largos anos por arrojados programas de modernização, conduz agora a enormes gastos de manutenção, gestão e atualização, quer de hardware quer de software.

Poucos questionaram então a correção e racionalidade desses “investimentos” (e os que o fizeram sempre foram olhados com desconfiança), mas muitos são os que agora falam em austeridade, sem se preocuparem em ir mais fundo na busca de fatores de desperdício.

Se não há dinheiro, corta-se em pessoas e serviços, pois é muito mais fácil do que identificar as verdadeiras causas do problema, a razão dos gastos, as ineficiências. É muito mais cómodo não admitir erros, não encarar os problemas, não procurar soluções, não tomar decisões. É muito mais simples deixar que a austeridade venha resolver – mal, diga-se de passagem – os problemas que a irracionalidade gerou.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Demasiado espertos


Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em de 6 de Novembro de 2012


Há pouco tempo, enquanto esperava por um avião num qualquer aeroporto da Europa, um colega de viagem tentava convencer-me das maravilhas de duas aplicações que utilizava frequentemente no seu telemóvel: uma indicava-lhe a refeição que deveria tomar, tendo em atenção o que tinha comido recentemente; a outra, alertava-o para o caso de estar a comprar produtos dos quais não tinha necessidade. Eu, na minha ingenuidade de tecnólogo crítico de certas aplicações, bem tentava explicar-lhe os inconvenientes, mas falhei redondamente.

O que é certo é que, quase sem nos apercebermos disso, estamos, cada vez mais, dependentes das tecnologias da informação e comunicação (TIC). Nos nossos automóveis, sistemas de posicionamento global falam connosco e dizem-nos como chegar ao destino pretendido, sem sobressaltos, enganos ou aventuras.  Cada vez mais cedo as crianças adquirem dependência em relação aos “smartphones”, que assumem um papel essencial não só na sua vida, mas também na vida de muitos de nós.

A tendência atual dos “smartphones” é a de se tornarem assistentes pessoais. De facto, alguns modelos já exploram essa funcionalidade, permitindo que falemos para eles, lhes façamos perguntas e demos ordens em linguagem natural, prontamente respondidas ou executadas, sem hesitações ou queixas.

De facto, um “smartphone” dos nossos dias é já muito mais “smart” (esperto) do que “phone” (telefone). Num futuro próximo, estes dispositivos serão utilizados para praticamente tudo, recolhendo informação do ambiente e de nós próprios.

Assim, usando sensores apropriados, poderão recolher informações sobre pressão arterial, ritmo cardíaco, análises sanguíneas, padrões de sono, estado psíquico, etc., e enviar esses dados para o nosso médico.

Poderão, também, ser utilizados para monitorizar bebés e crianças,  auxiliar atletas nos seus treinos, reconhecer pessoas das quais já nos esquecemos, auxiliar na condução de veículos detetando situações de risco, registar gostos pessoais, servir de guia fora e dentro de edifícios, traduzir o que dizemos para qualquer língua.

Poderão, ainda, ser utilizados para quantificar tudo o que fazemos, quantas calorias ingerimos, quantos passos damos, quantas horas dormimos. No fundo, para além de assistentes pessoais, serão conselheiros, treinadores, enfermeiros e, não nos esqueçamos, insistentemente controladores.

Mas, mais do que controlo e esperteza, as pessoas precisam é de inteligência. Por isso, se formos inteligentes, depressa perceberemos que, em vez de nos deixarmos controlar por um telefone mais ou menos esperto, temos é que desligá-lo e viver a vida, em toda a sua beleza e com toda a sua incerteza. É que é dessa beleza e dessa incerteza que são feitas as melhores e mais geniais coisas do mundo.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

A ameaça que vem do espaço


Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 31 de Outubro de 2012


Ao contrário do que poderia parecer pelo título, intencionalmente sensacionalista, não vamos aqui falar de invasões de extraterrestres, de colisões com cometas ou asteroides, ou de quaisquer outras especulações próprias de filmes de ficção científica. Falaremos, sim, de coisas reais, que já aconteceram no passado e que voltarão a acontecer porque essa é a natureza do Universo.

Já algumas vezes nesta crónica referi a crescente e inevitável dependência do nosso mundo em relação às tecnologias da informação e comunicação (TIC). Um ataque informático que deixasse inoperacional redes e serviços de TIC teria consequências imprevisíveis na economia e na própria civilização, já que poderia afectar infraestruturas críticas, paralisar a produção de bens alimentares ou outros, e levar a uma escalada bélica de dimensão indeterminada.

Felizmente que um ataque desse tipo é muito improvável. Infelizmente, o mesmo não se pode dizer de um fenómeno físico inevitável, embora pouco frequente, que pode, em poucos minutos, tornar inoperacionais as redes de energia eléctrica à escala de continentes ou do globo, paralisando, consequentemente, tudo o que funciona a eletricidade: as tempestades solares.

De facto, a nossa estrela – o Sol, sem o qual a vida na Terra não seria possível – é agora uma das principais fontes de preocupação para a Humanidade. As tempestades solares, nome pelo qual são conhecidas as emissões de massa da coroa solar, ocorrem constantemente. No entanto, existe um ciclo de onze anos, ao longo do qual a intensidade e frequência das tempestades varia entre um mínimo e um máximo. No final de 2012 e princípio de 2013 ocorrerá um máximo.

As tempestades solares transportam milhões de toneladas de partículas carregadas electricamente que, ao atingirem o nosso planeta, interagem com o seu campo magnético e criam fortíssimas correntes induzidas em todos os sistemas elétricos, com especial efeito em linhas e transformadores de alta tensão. Estes transformadores, extremamente caros e de difícil manufatura, para os quais não existe rápida capacidade de reposição a nível mundial, podem ficar completamente queimados durante uma tempestade solar.

1859, 1921 e 1989 foram anos de intensa atividade solar. No último caso, a rede eléctrica da província canadiana do Quebec foi fortemente afetada, deixando milhões de pessoas sem energia durante 9 horas. Felizmente que essa tempestade não foi tão má como as de 1921 e de 1859, épocas em que as redes eléctricas eram ainda embrionárias.

Uma tempestade solar como a de 1859 causaria hoje prejuízos e reveses à escala mundial e lançaria o caos. Infelizmente, o avanço tecnológico generalizado não nos protegeu melhor de uma eventualidade destas. De facto, até nos tornou mais vulneráveis.