terça-feira, 18 de maio de 2010

A favela informática


Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 17 de Maio de 2010


Existem vários factores para o sucesso e dois deles são, reconhecidamente, o planeamento e a organização. A esse respeito, as tecnologias da informação e comunicação (TIC) podem ser um instrumento precioso, apoiando activamente a preparação, gestão e execução de projectos. Curiosamente, a realidade parece apontar para o facto de que é no planeamento e projecto das próprias infra-estruturas e serviços de TIC que mais se viola as boas práticas metodológicas de engenharia.

São frequentes os casos em que os sistemas de informação nas organizações evoluem à medida das necessidades do dia-a-dia, sendo compostos por múltiplos sistemas disjuntos e não comunicantes, constituindo um mosaico que tem muito mais de artesanal e artístico do que de tecnológico. Tal reflecte-se, inevitavelmente, na qualidade do trabalho realizado e dos serviços prestados.

Na prática, poucos são os casos nos quais se elabora previamente um projecto de TIC antes de se passar à implementação. Contacta-se um fornecedor (o construtor do ‘edifício’) e pede-se-lhe que implemente uma solução para determinado problema (o ‘edifício’ a construir), sem que haja necessidade de elaborar qualquer especificação (o projecto). Imaginemos nós que procedíamos assim para construir um edifício. Qual seria o município que autorizaria essa prática?

Infelizmente, até entidades financiadoras e programas de ‘desenvolvimento’ adoptam esta postura. Não se exige planeamento e projecto para as TIC. Pelo contrário, se uma qualquer candidatura contemplar uma fase de análise e especificação é vista com maus olhos, pois tal é um (errado) indicador de que o promotor não sabe o que quer. Assim, privilegia-se a execução de ‘soluções concretas e bem definidas à partida’ . Assim, financiam-se, sobretudo, acções já em curso, ainda que desgarradas e sem qualquer fio condutor ou lógica de projecto, para maximizar os indicadores de realização.

Não havendo projecto, na verdadeira acepção do termo, muito menos existe uma eficaz gestão, que é um ingrediente essencial para garantir o cumprimento de planos de trabalho e o alcance dos objectivos definidos. Não há, por fim, qualquer balanço ou avaliação dos resultados alcançados.

O produto final está à vista de todos: acções desgarradas, soluções que não servem, resultados que não existem, redes que não funcionam, impacto nulo, melhorias pontuais e superficiais que rapidamente são anuladas pelo aparecimento de novos requisitos ou desafios, operações de ‘cosmética’ informática mascaradas de simplificação de serviços, projectos fracassados.

Na era das chamadas novas tecnologias muito há que alterar, sobretudo em termos de metodologias e mentalidades. Temos, forçosamente, que mudar a forma como se concretizam os projectos de TIC se queremos prosperar num mundo que se rege cada vez mais por ordenamento e qualidade, abandonando, de uma vez por todas, a era da favela informática.

domingo, 9 de maio de 2010

A vida para além das TIC


Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 3 de Maio de 2010


Quando, na década de 1940, foram desenvolvidos os primeiros computadores, ninguém imaginava que menos de meio século depois eles revolucionariam o Mundo. Hoje, volvidos cerca de setenta anos, é praticamente impossível pensar numa actividade ou produto cujo desenvolvimento não seja condicionado pelas tecnologias da informação e comunicação (TIC). Com efeito, desde a agricultura à indústria espacial, passando por todas as actividades comerciais, industriais e de serviços, pela moda, pela cultura, pelo ensino e pelo lazer, tudo é afectado por estas tecnologias.

A par do desenvolvimento dos computadores, o desenvolvimento das redes de comunicação por computador e redes de telecomunicações foi, também, um factor de mudança do Mundo. A Internet – inicialmente de carácter experimental e restrito – é agora uma rede à escala global, tornando fáceis e baratas as comunicações que anteriormente eram difíceis e caras, aproximando pessoas e permitindo o acesso a informação de todo o tipo. A dimensão da Internet é de tal ordem que esta interliga não só equipamentos fixos como equipamentos móveis, num número que, em breve, ultrapassará o número de seres humanos no planeta Terra.

A vida parece girar em torno das tecnologias da informação e comunicação. Nasce-se, cresce-se e vive-se imerso nas TIC, definem-se políticas em função das TIC e traçam-se destinos de economias e nações com base em TIC. Dificilmente se contrata alguém que não tenha, pelo menos, conhecimentos básicos de TIC. Dificilmente se concebe o Mundo sem telemóveis, sem Internet, sem computadores, sem Google, Facebook ou YouTube.

Dir-se-á que a extraordinária divulgação e implantação das TIC se deve ao facto de estas aproximarem pessoas e permitirem o acesso um manancial de informação. Em teoria, é verdade. Na prática, está-se muito longe disso. Fala-se menos cara a cara porque se comunica mais através da Internet. Acede-se a grandes volumes de informação, mas facilmente se ignora a realidade que lhes está por detrás. Em muitos casos, comunica-se sem saber com quem, sendo frequentes os casos em que se interage não com pessoas mas sim com programas.

Paradoxalmente, os computadores e a Internet são, cada vez mais, a cortina que impede que realidade e sonho entrem pela janela que nos mostra o Mundo. Não que tenham sido pensados para isso. Não que não nos possam ligar ao que é real e concreto. Não que não possam transportar o engenho e a criatividade a alturas inimagináveis. A questão é que somos humanos e, como tal, cometemos muitos erros antes de usar bem as ferramentas que nós próprios criamos. Temos, afinal, que (re)aprender a utilizar as chamadas novas tecnologias de forma a que estas nos ajudem a desfrutar da vida que existe e se estende muito para além das TIC.