terça-feira, 29 de novembro de 2011

Os computadores pensam?

Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 28 de Novembro de 2011


Nos bons velhos tempos, só em obras de ficção – fossem elas em forma de livro ou filme de carácter futurista – se poderia colocar a hipótese de que os computadores pensassem. No entanto, o extraordinário avanço da ciência e da tecnologia nas últimas décadas levou ao aparecimento de computadores com grande capacidade de processamento e de programas extremamente sofisticados, o que tem levado a que um número crescente de pessoas – desde o cidadão comum a eminentes cientistas – coloque questões como as seguintes: pode um computador pensar, ter uma mente, ter consciência, sentir?

Um computador é um sistema físico, composto por dispositivos elétricos e electrónicos, que opera segundo regras bem definidas e conhecidas e que, em última análise, obedece às leis universais da física. Parece, portanto, ser claro que um computador é algo inerte, que não pode pensar ou ter consciência. No entanto, todos os cientistas concordam que o cérebro humano é também um sistema que obedece às leis da física, composto por cerca de cem mil milhões de neurónios e, portanto, pelo menos em teoria, será possível construir um dispositivo físico que como ele funcione.

De facto, foram já feitas experiências no sentido de utilizar máquinas para simular o funcionamento do cérebro. Diga-se, de passagem, que para simular um segundo de atividade cerebral tiveram que ser utilizados vários supercomputadores que, para o efeito, demoraram cerca de cinquenta dias e consumiram quantidades gigantescas de energia.

Mas mesmo admitindo que num futuro mais ou menos distante os computadores serão tão poderosos que poderão simular o funcionamento do cérebro, será que alguma vez se poderá dizer que têm mente, que têm consciência, que têm sentimentos? Note-se que, hoje em dia existem já programas que agem de uma forma tão similar à mente humana que é difícil a um humano saber se está a interagir com uma máquina ou com uma pessoa. Há, por isso, quem defenda que se um computador pode exibir um comportamento inteligente indiscernível do dos humanos, então é inteligente, tem consciência e pode sentir.

Essa mesma posição é defendida por muitos investigadores, por muitos filósofos e por muitos cientistas cognitivos aos quais, naturalmente, se opõem – com argumentos igualmente válidos – pelo menos outros tantos investigadores, filósofos e cientistas cognitivos.

Pessoalmente, enquadro-me nestes últimos, mas o que é certo é que temos que reconhecer que existem hoje máquinas de elevado grau de sofisticação, que podem exibir comportamentos inteligentes, executar tarefas muito complexas e tomar decisões de forma autónoma. Nalguns casos, é muito mais fácil ensinar uma dessas máquinas a executar uma tarefa ou, até, deixar que a máquina aprenda sozinha, do que ensinar pessoas, muitas das quais dificilmente aprendem o que quer que seja. E nesses casos poderá acontecer que um computador coloque, de forma autónoma, a questão: mas, afinal, as pessoas pensam?

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Divórcio litigioso





Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 21 de Novembro de 2011


O que têm em comum a tecnologia, a política e o futebol? À primeira vista, pouca coisa mas, pensando bem, os três interessam a um grande número de pessoas, movimentam grandes meios e, consequentemente, têm o poder de moldar uma boa parte da nossa sociedade.

Idealmente, as coincidências deveriam terminar aí, mas todos sabemos que não é assim. Se entre a política e o futebol existe já um consenso na sociedade em geral de que deve haver uma grande independência, já entre tecnologias e política as dependências têm sido exploradas muito para além do desejável.

É certo que as tecnologias em geral e, dentro destas, as de informação e comunicação (TIC) mudaram e continuarão a mudar a nossa civilização e, por conseguinte, têm que ser alvo de atenção do poder político, na medida em que têm impacto no desenvolvimento económico e social, no ensino e investigação e, ainda, nas liberdades e garantias dos povos. Por isso, não devem a política e a ciência/tecnologia estar de costas voltadas. Seria absurdo que tal acontecesse, num mundo cada vez mais tecnológico, cada vez mais influenciado pela informação e pelo conhecimento.

Mas por muito que a ciência e a tecnologia condicionem a nossa vida, não pode a política ser sua refém. Significa isto que a política não pode ser inteiramente ditada por nem subjugada à ciência e à tecnologia. Significa isto, ainda, que não devem os cientistas nem os engenheiros, enquanto profissionais, ditarem as políticas. Significa isto, por fim, que não devem os políticos orientar as suas políticas exclusivamente para a ciência e a tecnologia, estabelecendo estas últimas como um fim em si mesmas. Tal seria não ver o principal porque só se olha para o acessório. Tal seria esquecer as pessoas em favor dos sistemas, que existem, exclusivamente, para lhes dar apoio.

Mas se é certo que a política não deve ser refém da ciência e da tecnologia, não é menos certo que a ciência e a tecnologia não devem ser reféns da política. Não deve a política definir as linhas nem os limites para a atividade científica e tecnológica, estabelecendo entraves à curiosidade intelectual e ao engenho. Não devem os financiamentos para a ciência e a tecnologia ser exclusivamente ditados por razões políticas, sob pena de reduzir a ciência e a inovação ao meramente planeado e previsível, o que, em si, é um contrassenso. Não deve a política “apoderar-se” da ciência e da tecnologia – e, muito menos, dos seus agentes – encarando-as como uma ferramenta que existe para servir os seus fins. Nesta matéria como, aliás, em todas as outras, não pode haver ditadura.

A chave do sucesso está, assim, no respeito mútuo, na interação saudável e, sobretudo, na independência decisória. E se se pode dizer, em face da experiência recente, que um casamento por conveniência entre política e tecnologia é manifestamente indesejável, muitos concordarão que a nossa sociedade não se pode agora dar ao luxo de um divórcio litigioso.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

O ensino adiado





Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 14 de Novembro de 2011


Se muitos dos países mais desenvolvidos do mundo são o que são, muito o devem a uma política de ensino ativa, cuidada e coerentemente mantida ao longo de décadas, se não mesmo de séculos. Sempre foi este o nosso calcanhar de Aquiles, já que ao longo da nossa história, com ênfase nos séculos XIX e seguintes, o ensino foi tratado como um parente pobre num país que, já de si, não é rico.

Diziam os antigos que isso dos livros e dos estudos era só para quem nada que tinha que fazer, pois o importante era amanhar a terra, trabalhar nas fábricas. Tarde reconhecemos que o analfabetismo teve custos incalculáveis para o país, condenando-o a um atraso do qual ainda sofremos as consequências.

Surge agora um novo tipo de literacia – o das tecnologias da informação e comunicação (TIC) – essencial para todas as profissões sem exceção e para todas as atividades produtivas. Consistentemente, países e povos preparam os seus jovens para a sociedade da informação de forma planeada, nas escolas básicas, secundárias e superiores. De entre esses jovens sairão não só pessoas com formação adequada para o dia-a-dia, mas também os novos engenheiros, os novos cientistas, os que construirão o futuro desses países e os que exportarão a sua tecnologia e enriquecerão o seu país.

Nós por cá acabamos com o ensino das TIC no ensino básico e secundário porque, pasme-se, todos sabem desde muito cedo usar um computador! Deixa-se, assim, a formação numa área tão essencial para a sociedade ao sabor do autodidatismo, do amadorismo e da superficialidade. Condenamo-nos, desde cedo, a importar tecnologia, saber e competências por falta de as criarmos no país.

Ficamos, pois, com um ensino que poderia ser o de há cinco décadas atrás, reduzido às disciplinas chamadas estruturantes (como se no básico e secundário não o fossem todas!). Mas se todos sabem usar (frequentemente mal, diga-se de passagem) os computadores desde muito cedo, também desde cedo as pessoas são autónomas na sua língua e desde cedo têm as noções básicas de matemática mais do que suficientes para a vida quotidiana da esmagadora maioria da população, e não é por isso que se deixa de lecionar essas disciplinas, cuja importância é reconhecida unanimemente. A razão é, portanto, outra, e tem a ver exclusivamente com o imediatismo das contas e não com a desculpa mais ou menos esfarrapada de que as crianças já nascem a saber informática. Pobres de nós, que comprometemos o amanhã por não sabermos estabelecer as prioridades no dia de hoje!

Parece que, mais uma vez, pelas mesmas razões – a crise constante, a pobreza do país, o aperto financeiro em que nos encontramos, a urgência de desviar meios para outros fins – vamos perder a oportunidade de ensinar e educar as gerações que são o futuro da nação, criando um outro lote de analfabetos, desta vez digitais. Só daqui a vários anos lamentaremos profundamente os custos para o país deste novo episódio de ensino adiado.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

A chave primária





Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 8 de Novembro de 2011


Todos estamos habituados a ouvir falar em bases de dados. As empresas têm bases de dados de clientes, as escolas têm bases de dados de alunos, as entidades do Estado têm bases de dados de cidadãos nacionais e estrangeiros, e assim por diante. Os dados – e, mais ainda, a informação – são essenciais para o funcionamento de todas as entidades, e todos nós aceitamos como natural que existam todo o tipo de bases de dados. Afinal, por alguma razão dizemos que vivemos na era da informação.

Os registos contidos em qualquer base de dados têm que ter um identificador único – ou seja, algo que os distinga uns dos outros – que, em linguagem técnica, se designa por chave primária. Por exemplo, numa base de dados de cidadãos eleitores a chave primária poderá ser composta pela conjugação da freguesia de recenseamento com o número de eleitor, já que os cidadãos recenseados numa dada freguesia têm, forçosamente, números de eleitor diferentes. Por outro lado, o nome das pessoas não pode funcionar como chave primária, pois pessoas diferentes poderão ter nomes iguais.

Como vimos no exemplo acima, uma chave primária não é, necessariamente, um número, podendo ser uma conjugação de vários campos, textuais e numéricos. Em bases de dados relativas a pessoas – principalmente se forem bases de dados estatais – a utilização de um número como chave primária, isto é, a utilização de um número para representar pessoas, tende a ser evitada oficialmente por ser considerado politicamente incorreto reduzir pessoas a simples números em bases de dados.

É, talvez, por isso que diferentes países adoptam diferentes políticas no que diz respeito à identificação dos seus nacionais. Em certos países a emissão de um cartão nacional de identificação por cidadão (que contém, necessariamente, um número distinto) é obrigatória. Noutros países, essa emissão é facultativa, Noutros, ainda, não existe qualquer cartão nacional de identificação. Curiosamente, ou talvez não, nestas duas últimas categorias encontram-se alguns dos países mais ricos e mais desenvolvidos do mundo.

No caso de Portugal, numa tentativa de evitar a atribuição de um número único a cada cidadão, existem vários números de identificação – cada qual único – diluindo-se e disfarçando-se assim o “odioso” de cada cidadão ser representado por um número. Destes referem-se o número de identificação civil (ou número de bilhete de identidade), o número de segurança social, o número de utente de saúde e, ainda, o número de contribuinte, todos e cada um deles uma chave primária na correta acepção do termo.

Na prática, no entanto, é o número de contribuinte o que mais força tem, pois é obrigatório desde o nascimento até muito depois da morte. É esta a verdadeira chave primária da grande base de dados a que, por vezes, se quer reduzir o país, que nos parece querer dizer que sendo nós pessoas com direitos civis, sociais e de saúde, para o Estado somos, acima de tudo, contribuintes.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Os Aventureiros





Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 31 de Outubro de 2011


O enorme potencial e a grande flexibilidade das tecnologias da informação e comunicação (TIC) permitem o desenvolvimento de um infindável número e variedade de aplicações. Parecem não existir limites para a utilização das TIC, que todos querem explorar das mais variadas formas e com os mais diversos intuitos. Ao contrário das selvas naturais – cada vez mais ameaçadas – a “selva informática” está em franco crescimento, atraindo um número crescente de pessoas, desafiando os audazes, impondo as suas duras regras, mostrando os seus perigos e selecionando vencedores e vencidos.

São variados os apelos da selva informática: a procura de benefícios (serviços, recursos, bens, riquezas), o gosto pelo conhecimento (tecnologia e ciência), a simples descoberta (atração pelo desconhecido) ou, ainda, o desafio de superar-se a si próprio e aos outros.

É inevitável que algo tão apelativo conduza a uma boa dose de ousadia e até, em muitos casos, de imprudência. Seria impensável que quem não se sabe orientar decidisse aventurar-se numa selva, mal conhecendo regras básicas e sem adequado equipamento de sobrevivência. No entanto, é isso que acontece, em grande medida, com as TIC, sendo frequentes os casos em que utilizadores e, até, decisores, se lançam inconscientemente às feras, sem qualquer preparação, confiando, simplesmente, na sorte.

Apesar de existirem leis e regras precisas para a utilização e exploração das TIC, elas são desconhecidas para a esmagadora maioria das pessoas. De facto, em termos de TIC parece que tudo se faz e tudo se tenta, à laia de Indiana Jones da selva informática, procurando um tesouro perdido e tentando impor a lei do mais forte.

Numa selva tão densa como a das TIC, muitos perigos só são reconhecidos tarde demais. Facilmente se pode perder o rumo: quais os objetivos e qual o caminho para os atingir? Facilmente se pode perder o bem mais precioso das TIC: a informação. Pode-se ser atacado de diversas formas, por entidades praticamente indetetáveis. Pode-se cair em todo o tipo de armadilhas.

Na selva informática a sobrevivência passa, necessariamente, por uma sólida formação e por metodologias de trabalho robustas. É indispensável saber o que fazer, como fazer e o que não fazer. É fundamental conhecer as ferramentas mais utilizadas, os principais riscos e as respetivas soluções.

Também neste tipo de selva, os safaris são uma boa solução: confiar em especialistas para nos guiarem por caminhos por eles conhecidos, com objetivos e programas claros, é uma boa forma de usufruir da selva informática em segurança ou, pelo menos, com risco controlado.

Hoje em dia já não se pode fugir da selva das TIC, nem se podem vencer todos os seus perigos. A melhor forma de lidar com ela é conhecê-la o melhor possível, aceitá-la e respeitá-la. Das TIC há que esperar o melhor, estando preparado para o pior, já que se trata de uma selva cheia de beleza mas pouco condescendente com aventureiros mal preparados.