terça-feira, 27 de setembro de 2011

Profissionais com futuro








Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 26 de Setembro de 2011


Costuma dizer-se que o futuro a Deus pertence, mas o que é certo é que várias são as entidades e empresas, a nível nacional ou internacional, que se dedicam a identificar as principais tendências de mercado e a realizar testes vocacionais, por forma a aconselhar – tantas vezes a preços pouco modestos – quem pretende iniciar a sua formação ou a sua carreira profissional.

Para tal apregoam – quase jurando a pés juntos – que sabem de fonte segura quais são ou vão ser as profissões com futuro, escamoteando o pequeno pormenor de que nesta como em outras áreas as tendências são como as ondas do oceano, umas vezes grandes outras vezes pequenas, umas vezes mais rápidas outras vezes mais lentas, por vezes muito calmas outras vezes gerando tsunamis, mas sempre com um elevado grau de imprevisibilidade.

Por outro lado, também é certo que as modernas tecnologias da informação e comunicação (TIC) mudaram radicalmente o panorama profissional, tendo levado à obsolescência de muitas profissões e ao aparecimento de várias outras, confirmando que, tal como os indivíduos e as espécies, também as profissões aparecem, florescem e se extinguem.

Apesar do impacto das TIC, não se pode afirmar, no entanto, como muitos o fazem, que só as profissões tecnológicas têm futuro. Independentemente da evolução tecnológica, as pessoas precisarão sempre de se alimentar, de se educar, de se deslocar, de habitar e trabalhar em edifícios, de comunicar, de usufruir de cuidados de higiene e saúde, de ter acesso à justiça, de criar e de beneficiar das criações de outros, de adquirir bens e serviços, de se divertir, de apreciar arte, de conhecer outras paragens e costumes, enfim, de viver.

Naturalmente que praticamente todas as profissões que servem de base ao enorme conjunto de atividades contemporâneas, das quais se deram alguns exemplos acima, foram afetadas – em geral, de forma muito positiva – pelas TIC, tendo passado a exigir mais e melhor formação. No entanto, é curioso verificar que as profissões menos tecnológicas, isto é, as mais artesanais e/ou as que dependem mais do génio e criatividade humanos, são as que melhor sobrevivem às mudanças impostas pelo tempo, enquanto que as profissões mais dependentes das tecnologias são as que mais risco de obsolescência correm.

De facto, a par da competência, empenho e capacidade de trabalho, uma outra característica chave para qualquer pessoa que procure sucesso na sua profissão é a capacidade para adaptação à mudança. A formação de base e a formação específica são, naturalmente, importantes, mas de pouco ou nada servem se o profissional que delas emerge for incapaz de se adaptar a novos contextos e de evoluir.
É por isso que, mais do que pessoas rigidamente afetas a esta ou aquela profissão, ou com estas ou aquelas aptidões tecnológicas, as boas empresas procuram profissionais dinâmicos e, sobretudo, versáteis, pois é com estes que melhor podem enfrentar os desafios do futuro.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Arqueologia computacional


Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 19 de Setembro de 2011


A pouco e pouco, com a popularidade das séries televisivas de investigação criminal, o público em geral começa a aperceber-se do enorme potencial que as tecnologias da informação e comunicação (TIC) têm no que diz respeito à reconstituição do passado. E porque é sobre o passado que se debruçam a Arqueologia e a História, também aqui as TIC desempenham um papel cada vez mais importante. Há, no entanto, boas e más utilizações das TIC nestas matérias, embora, felizmente, as primeiras sejam muito mais frequentes que as segundas.

As ferramentas computacionais podem suportar quase todas as áreas da Arqueologia e da História, como sejam a procura e exploração de sítios arqueológicos, o registo da evolução de escavações, o estudo e análise de locais, edifícios, artefactos, obras de arte e relíquias, a reconstituição e restauro de objetos, a troca de informação entre especialistas, a formação e, ainda, a divulgação ao grande público, quer em museus quer através da Internet.

O recurso a modelação 3D permite, por exemplo, a visualização de artefactos sob todos os ângulos, a comparação de formas, a visualização imersiva de locais arqueológicos antes e depois de reconstituição ou, ainda, a extração de contornos e/ou desenho de linhas, tão importantes no estudo arqueológico. A modelação, 3D ou 2D, é, também, um precioso auxiliar na reconstituição e restauro de artefactos, pinturas, locais arqueológicos e paisagens.

Por outro lado, a constituição de repositórios digitais contendo não só imagens mas também todo o tipo de dados permite a catalogação e indexação de objetos, bem como a subsequente análise e mineração de dados, quer por processos automáticos quer manuais. Estes repositórios assumem particular importância se estiverem disponíveis, através da Internet, a especialistas, que podem executar todo o tipo de estudos e ensaios sem causar qualquer tipo de dano aos objetos em estudo.

De entre a multiplicidade de tecnologias utilizadas na arqueologia computacional, destacam-se a tomografia computorizada, os scanners 3D (quer com base em dados sísmicos – tal como se faz na prospecção de petróleo – quer com base em técnicas óticas) a computação gráfica, as ferramentas matemáticas, os sistemas de informação geográfica e os sistemas de posicionamento.

Como aspecto negativo da utilização das TIC nestes domínios, salienta-se a pressão para realização de estudos antropológicos de figuras proeminentes da História – por exemplo, para determinar estaturas, tipos de alimentação, analisar possíveis fraturas, ou proceder a sempre duvidosas reconstituições faciais – não porque exista alguma razão objectiva e científica para realização desses estudos, mas sim para alimentar uma quase coscuvilhice em relação a “famosos” do passado, um pouco à laia de “reality show” retroativo. São, claramente, estudos a evitar, já que qualquer povo só se pode respeitar a si próprio se dignificar e respeitar o melhor do seu passado.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

O elo mais fraco


Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 12 de Setembro de 2011


Há quem se questione se estamos a assistir, nos dias de hoje, a um incremento do número de ciber-ataques ou se, por outro lado, o que existe é mais atenção dos media em relação a este tipo de ocorrências. Provavelmente, a resposta certa é que ambas as afirmações correspondem à verdade, o que se entende facilmente.

Por um lado, o crescimento da utilização das tecnologias da informação e comunicação (TIC) leva a um maior número de potenciais vítimas, a uma maior exposição de informação e serviços críticos e, também, à existência de um maior número de especialistas informáticos capazes de ultrapassarem barreiras de segurança. Por outro, o impacto de certos ataques, mesmo que não totalmente consumados, pode ser de tal forma grande que, inevitavelmente, tem que ser alvo de informação por parte dos órgãos de comunicação social.

É certo que a capacidade dos ciber-criminosos aumenta todos os dias, a par da evolução tecnológica. Todos os dias, milhares de milhões de mensagens de correio electrónico com vírus, worms, cavalos de Tróia e muitos outros programas maliciosos, dignos da verdadeira caixa de Pandora, são enviados através da Internet. Todos os dias, incontáveis computadores infetados são agregados em botnets, sem que os seus donos suspeitem, formando “exércitos” de mercenários literalmente vendidos a hackers e crackers, para que estes os utilizem nos seus ataques. Todos os dias, centenas de milhares de ciber-crimes são perpetrados, com especial predileção por ataques contra contas bancárias, embora sistemas de grandes multinacionais e sistemas de informação e de segurança de governos e nações também estejam debaixo de constantes ameaças.

É claro que existe um manancial de ferramentas para proteger os sistemas informáticos, desde protocolos de comunicação especificamente desenvolvidos para garantir a confidencialidade e integridade da informação que circula na rede, a firewalls colocadas nas fronteiras e/ou pontos críticos das redes privadas das organizações ou, ainda, programas especializados na detecção e eliminação de todo o tipo de software malicioso. No entanto, como a sofisticação das ameaças está constantemente a evoluir, é essencial que tais sistemas sejam permanentemente atualizados e monitorizados, por forma a minimizar riscos e reduzir danos, o que, surpreendentemente, ou talvez não, é descurado num grande número de casos.

Apesar de todas as ferramentas disponíveis, nenhuma pode garantir a eliminação do erro ou falha humanos. Quase todos os ataques bem sucedidos têm por detrás uma falha humana, seja ela uma palavra chave demasiado frágil, a não observância de um procedimento básico ou o desconhecimento de regras fundamentais. Isto para não mencionar as quebras intencionais de segurança de sistemas de informação, normalmente com origem em pessoas internas ao sistema. Afinal de contas, em termos de segurança, por uma ou outra razão, o ser humano sempre foi e sempre será o elo mais fraco.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

O quadro interativo


Artigo de opinião a publicar no diário ‘As Beiras’
em 5 de Setembro de 2011


Numa altura em que arranca um novo ano letivo e em que, mais uma vez, se perfilam algumas mudanças no nosso sistema educativo, importa analisar o papel que as tecnologias da informação e comunicação (TIC) podem e devem desempenhar neste sistema que, há mais de um século, teima em ser um dos calcanhares de Aquiles da nossa sociedade.

Nos últimos anos a utilização das TIC no ensino foi claramente sobrevalorizada. Gerou-se, de algum modo, a crença de que as TIC nas salas de aula – e fora delas – seriam a chave para o crónico problema da educação em Portugal, a panaceia que resolveria de uma só vez, por artes mágicas, o flagelo do mau aproveitamento dos alunos e a maldição da falta de ferramentas de apoio à atividade dos professores.

Efetivamente, já dizia Arthur C. Clarke – escritor e inventor britânico recentemente falecido, a quem devemos o conceito de satélite de telecomunicações – que qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível da magia. Parece, no entanto, que no caso da educação em Portugal se confiou demasiado numa anunciada magia, esquecendo-se que a tecnologia que lhe daria origem não tinha, de fato, capacidade para a produzir.

No grande espetáculo das TIC no ensino duas estrelas brilharam: o computador portátil e o quadro interativo. O primeiro seria um instrumento de acesso a informação, potenciador do conhecimento e estimulante do raciocínio. O segundo resolveria o difícil problema da interação professor-aluno, tornando-a mais cativante e mais viva. Ambos falharam os objectivos, quer por razões intrínsecas quer extrínsecas.

Curiosamente, na maioria dos casos o computador rapidamente se transformou numa ferramenta para minimizar a necessidade de procurar, analisar, questionar, raciocinar e aprender. Quanto ao quadro interativo passou a facilitar fortemente as aulas pré-formatadas, tantas vezes com recurso a diapositivos, tendo um efeito contrário ao pretendido: maior passividade e alheamento dos alunos.

Note-se que o próprio nome – quadro interativo – é enganador no contexto da educação. Com efeito, estes equipamentos são interativos, mas a interação ocorre entre o utilizador – neste caso, o professor – e o computador. Centra-se, assim, a interatividade na relação entre o docente e a máquina que este utiliza, quando, na realidade, o que se pretende no ensino é a interatividade entre docente e alunos, para a qual os quadros interativos pouco ou nada contribuem.

A interação docente-aluno é absolutamente necessária e determinante no ensino, especialmente no básico e no secundário. As tecnologias devem ser utilizadas se e quando potenciarem essa interação, e ser preteridas sempre que prejudicarem a educação e formação, por muito atrativas e interessantes que pareçam. Todos os bons docentes o sabem, assim como sabem que os verdadeiros e únicos quadros interativos de que precisam – aqueles nos quais realmente querem “escrever” com tinta indelével - são os seus alunos.