terça-feira, 25 de outubro de 2011

A idade toca a todos




Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 24 de Outubro de 2011


Os semicondutores, essenciais para a construção dos transístores, são a pedra angular de todos os equipamentos electrónicos da atualidade. Sem eles, o mundo não seria o que é, já que as tecnologias da informação e comunicação (TIC) só são possíveis com recurso a estes componentes. A unidade de processamento central dos atuais computadores pode conter milhares de milhões de transístores, o que constitui uma autêntica maravilha tecnológica. Mas será que, após algum tempo, todos eles funcionam tão bem como quando saíram da fábrica?

De fato, nem os transístores fogem à regra universal do envelhecimento. A exposição a variações de voltagem, o funcionamento por longos períodos a temperaturas elevadas e a própria disposição física de componentes e circuitos afetam o desempenho destes minúsculos componentes e, em última análise, dos equipamentos que integram. Com o envelhecimento os transístores passam a funcionar mais lentamente – isto é, deixam de ser capazes de mudar de estado tão rapidamente como quando eram novos – e podem, até, deixar de funcionar completamente, provocando falhas nos processadores. A utilização intensa afeta, também, os próprios circuitos elétricos de interligação dos transístores, podendo provocar interrupção de circuitos, curto-circuitos, ou interferências indesejadas.

Felizmente que muitos destes efeitos não se chegam a sentir, pois os computadores são, em regra, largamente sobredimensionados para as tarefas que normalmente executam, mas a realidade é que pode existir uma considerável diferença de desempenho entre um computador novo e um outro rigorosamente igual mas com alguns anos de utilização intensa.

É claro que para além do envelhecimento do hardware – isto é, dos circuitos e componentes de um equipamento computacional – muitos outros fatores podem afetar o desempenho das máquinas, numa escala muito maior e, portanto, muito mais perceptível.

Por um lado, o próprio software – os programas executados pela máquina – também envelhece. Com efeito, todos os programas de média ou elevada complexidade têm erros (bugs) que, não se manifestando de início, começam a evidenciar-se ao fim de horas ou dias de execução contínua. Tal acontece, por exemplo, com os sistemas operativos, sendo relativamente frequente o total bloqueio – ou crash – de máquinas. Ao reiniciar-se um computador está-se, no fundo, a fazer rejuvenescer o software, livrando-nos dos erros acumulados até aí.

O maior fator de envelhecimento é, no entanto, a obsolescência provocada pela desadaptação funcional. À medida que as tarefas a executar se tornam mais complexas, equipamentos projetados para tarefas mais simples e cargas mais baixas deixam de ser capazes de dar resposta adequada às necessidades.

Por fim, há que não esquecer que também os utilizadores envelhecem. É este o envelhecimento mais crítico, que só pode ser vencido com inteligência, abertura de espírito, gosto pela mudança, experiência e conhecimento.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Cidades inteligentes










Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 17 de Outubro de 2011


Preso no trânsito que, por causa das obras, se encontrava completamente parado, a minha mente divagou para o tema das “cidades inteligentes”.

Talvez por causa da crise não se fale agora tanto em “cidades inteligentes” como se tinha vindo a falar ao longo últimos anos. O boom tecnológico das duas décadas mais recentes estimulou a imaginação dos mais visionários, que anteviam cidades nas quais tudo, sem exceção, se apoiaria na forte utilização das tecnologias da informação e comunicação (TIC), desde as redes de energia, gás e água, até ao ambiente, passando por cuidados de saúde, apoio a idosos, educação, segurança, serviços de emergência, transportes, urbanismo, habitação e entretenimento.

Era – e ainda é – uma visão otimista, irrealista e, portanto, inviável, já que exigiria uma utilização massiva das TIC e, sobretudo, a mobilização de importantes meios financeiros e humanos para projeto, operação e manutenção do grande número de sistemas que confeririam a tais cidades a tão desejada inteligência.

Não significa isto que as necessidades por detrás do conceito de cidade inteligente tenham desaparecido. As infraestruturas das cidades estão, cada vez mais, sob stress, dado o crescimento da população citadina, o incremento das necessidades de recursos, a maior mobilidade de pessoas e bens e, ainda, as maiores exigências de qualidade de vida dos cidadãos. De fato, quer estes aspetos quer a própria existência de uma crise tornam mais premente do que nunca a redução de custos, a maximização da eficiência dos sistemas e a eficaz gestão de infraestruturas, ou seja, tornam mais premente a concretização do conceito de cidade inteligente.

A questão é que a concretização deste conceito tem, agora, que se pautar por critérios realistas, e não por critérios de mediatização que, tantas vezes, levam ao esbanjamento de recursos para a construção de serviços tão ‘engraçados’ quanto inúteis.

As cidades são conjuntos de sistemas complexos, coordenados por várias entidades, mas que não são, de maneira nenhuma, independentes. Qualquer cidade na qual o planeamento, a gestão e a operação de sistemas sejam feitos de forma independente pelas diversas entidades em causa está condenada a custos acrescidos, ineficiência e prejuízo para os cidadãos.

Há, no entanto, que avaliar claramente as necessidades, identificar as oportunidades de melhoria com base nas TIC, fixar objetivos claros, estabelecer prioridades de desenvolvimento e definir métricas de avaliação de resultados. Há, também, que ter em mente que o principal fator de sucesso de qualquer projeto de cidade inteligente será sempre a inteligência (essa sim) dos responsáveis pelos vários sectores envolvidos. Já os principais juízes desse sucesso serão, necessariamente, os cidadãos, muitos dos quais eram agora meus colegas de engarrafamento.

De repente o meu pensamento foi interrompido. Após um longo período de espera, o trânsito começava novamente a fluir.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

O inventor dos computadores


Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 10 de Outubro de 2011


Os computadores de hoje são, certamente, radicalmente diferentes dos computadores do passado. Cada vez mais poderosos e complexos, executam procedimentos tão elaborados que quase nos fazem crer que são seres vivos e inteligentes. Mas, afinal, o que é um computador e quem os inventou? Estas são questões de difícil resposta, gerando, até, discórdia entre muitos especialistas.

Diferentes dispositivos, com diferentes características – de funcionamento mecânico, eletromecânico ou electrónico – podem ser considerados computadores, daí que seja difícil chegar a uma definição consensual, suficientemente abrangente. Por esse mesmo motivo é, também, difícil dizer quem construiu o primeiro computador.

Entre 1934 e 1938, o engenheiro alemão Konrad Zuse (n. 22/6/1910, f. 18/12/1995) construiu uma unidade aritmética mecânica, digital, programável por cartões perfurados, que batizou com o nome de Z1. Em 1939 construiu o Z2, uma versão eletromecânica melhorada, a que se seguiu o Z3, em 1941. Por isto, muitos atribuem a Zuse a construção do primeiro computador.

Entre 1943 e 1946 foi desenvolvido o ENIAC – Electronic Numerical Integrator And Computer. Inicialmente explorado pelo exército dos EUA para cálculo de trajetórias de tiro, foi utilizado em múltiplas tarefas até 1955. O ENIAC é, atualmente, reconhecido como o primeiro computador inteiramente electrónico de uso comum.

Surpreendentemente, quando se alarga o conceito de computador por forma a abranger qualquer dispositivo capaz de se substituir a cálculos científicos manuais, teremos que recuar mais de dois mil anos na História da Humanidade.

De facto, o mecanismo descoberto em 1900 nos restos de um naufrágio ocorrido entre os anos 80 e 40 antes de Cristo (AC) ao largo da ilha grega de Antikythera é considerado o primeiro computador conhecido. Totalmente mecânico, com trinta rodas dentadas com diferentes factores multiplicativos e três mostradores, constitui uma calculadora astronómica especializada.

Este computador permitia calcular as fases e posição da Lua, a posição do Sol e dos cinco planetas então conhecidos, bem como as datas de ocorrência dos eclipses do Sol e da Lua. Para além da data, os seus mostradores apresentavam os calendários e ciclos Sinódico, Calítico, Metónico, Olímpico e de Saros. Este mecanismo conseguia, ainda, reproduzir a variação do movimento angular da Lua, causada pelo facto da sua órbita ser elítica e não circular.

O mecanismo de Antikythera, presentemente exposto no Museu Arqueológico Nacional de Atenas, é extremamente sofisticado e, para além de resultar de conhecimento científico recolhido ao longo de séculos, evidencia um longo percurso tecnológico, pelo que não deveria ser um exemplar único. Textos de Cícero referem que Arquimedes (n. 287 AC, f. 212 AC) construiu dois desses aparelhos. Tudo indica, assim, que para além de um genial matemático, físico, astrónomo e engenheiro, Arquimedes foi o inventor dos computadores.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

A praia digital


Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 3 de Outubro de 2011




Por onde quer que passemos e o que quer que façamos, deixamos sempre marcas. Por vezes queremos que perdurem, para que outros reconheçam o que fizemos. Outras vezes, queremos que sejam as menores possíveis, como no caso da pegada ecológica. Também quando usamos as tecnologias da informação e comunicação (TIC) deixamos uma pegada digital, que outros poderão seguir e utilizar para fins – meritórios ou não – que a maior parte das pessoas desconhece.

Sempre que utilizamos uma infraestrutura de comunicações – seja ela a Internet, uma rede de comunicações móveis ou uma rede privada – são gerados registos que identificam a origem e o destino da comunicação, a data e hora, a quantidade de tráfego gerado, os protocolos utilizados. São registos necessários ao funcionamento e gestão da infraestrutura, que permitem, por exemplo, a taxação, mas também, a intercepção legal de comunicações.

Também a utilização de todo o tipo de aplicações Web – como sejam a utilização de serviços de web mail, das redes sociais, de compras on-line, de jogos ou, simplesmente, de web browsing – deixa ‘pegadas profundas’ já que, para além dos já referidos dados de utilização da infraestrutura de comunicações, os servidores e serviços de aplicação guardam todo um manancial de informação sobre quem os utiliza, que podem incluir dados pessoais, preferências manifestadas ou implícitas, padrões de utilização, registo de compras, registos de páginas mais visitadas e contactos com outros utilizadores. Parece, no entanto, que a maior parte dos utilizadores consente essa recolha de informação, ao contrário do que se passaria se tal recolha fosse feita não por meios automáticos mas sim de forma presencial.

É certo que muitos dos dados deixados pela utilização das TIC podem ser utilizados para benefício de todos, como no caso da interpretação de dados de mobilidade urbana – assumindo que os dispositivos móveis dos utilizadores têm um sistema de posicionamento e os utilizadores autorizam a utilização desses dados – ou, como é evidente, no caso da prevenção e combate de atividades criminosas e/ou terroristas.

As questões que se levantam a essa utilização são, no entanto, muitas, sendo muito ténue a linha que separa a legalidade da ilegalidade. Existe uma clara diferença entre utilização de dados consentida e não consentida. Mesmo que privacidade e legalidade sejam garantidas, falhas humanas podem levar a que dados confidenciais sejam inadvertidamente divulgados. Neste caso, os riscos das TIC são, claramente, o preço a pagar pelas suas vantagens.

O nosso rastro digital é semelhante a pegadas na areia de uma praia. Por vezes, sobrepõem-se pegadas de outras pessoas, tornando-as indiscerníveis. Outras vezes, o mar encarrega-se de apagar as que dele se encontram mais perto. Mas, ainda que se queira, é extremamente difícil apagar todas as marcas que deixamos desde que entramos na praia até que saímos. Também é assim a praia digital.