quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Perdidos e achados



“Onde estás?” Esta é uma pergunta que corre o risco de tornar-se desnecessária num futuro próximo, pois os sistemas e aplicações de localização estão cada vez mais divulgados e encontram-se em crescente utilização.

Graças ao vertiginoso desenvolvimento das tecnologias da informação e comunicação (TIC), existem hoje vários serviços de localização de pessoas, muitos dos quais baseados nas redes sociais. Para muitos, são serviços de grande utilidade, que podem, até, contribuir para o aumento da segurança e bem estar, mas muitos outros questionam-se sobre o impacto que o controlo de localização de pessoas pode ter na confiança mútua em particular e na sociedade em geral.

Quando aplicada à localização de crianças ou jovens pelos seus pais, esta tecnologia é encarada como sendo extremamente útil e importante, pois conduz a claros benefícios em caso de emergência. O problema é que, na esmagadora maioria das vezes, a segurança é o pretexto para um controlo constante, efetuado contra a vontade dos controlados e, consequentemente, minando as relações de confiança entre pessoas de uma mesma família que, em primeiro lugar, deveriam confiar umas nas outras.

Seguir constantemente a localização de uma criança ou jovem através de uma qualquer aplicação instalada num smart phone é equivalente injetar-lhes um localizador GPS ou confiná-los a uma determinada área através de pulseira electrónica. Em termos de educação, é a pior opção, pois em vez de se lhes incutir responsabilidade, diz-se-lhes que não são dignos de confiança.

Para namorados ou cônjuges, a questão da confiança é, também, a questão principal, embora às vezes a desculpa seja a de que se quer sempre estar mais perto e saber sempre tudo sobre o outro. Para além disso, há sempre o argumento de que “quem não deve não teme”.

Mas será que os serviços de localização poderão ser utilizados com vantagens em empresas (“temos que controlar os nossos colaboradores durante as horas de trabalho”), por entidades terceiras com fins comerciais (“queremos estar perto dos nossos clientes”), ou por governos?

A resposta com que todos parecem concordar é “Não!”. O que é certo é que, apesar disso, os serviços de localização têm cada vez mais utilizadores e estima-se que o seu crescimento continuará a ser acentuado.

As TIC continuam a revolucionar o nosso mundo, muito para além do que julgaríamos ser possível. No que toca a localização de pessoas e bens, os avanços têm sido de tal forma extraordinários que aquilo que hoje é possível fazer depende apenas da imaginação.  A grande questão é, no entanto, saber quando é que o possível se torna indesejável e quando é que o indesejável se torna inaceitável. São esses os limites que há que encontrar quanto antes pois, se não o fizermos, acabaremos por, paradoxalmente, nos perder.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Muitos anos a virar frangos


Nunca como hoje tivemos acesso a informação e conhecimento de forma tão fácil e rápida. A Internet e os motores de pesquisa são utilizados como um oráculo que para tudo tem resposta e solução, tantas vezes incompleta, incorreta e distorcida, embora poucas vezes questionada.

Curiosamente, o quase imediato acesso à informação potenciado pelas tecnologias da informação e comunicação (TIC) tem efeitos contraditórios. Por um lado, propicia um sem número de oportunidades, já que informação é, em muitos casos, sinónimo de controlo, poder, dinheiro e/ou reconhecimento. O que seria da atual sociedade sem o acesso generalizado à informação que agora a caracteriza? Quantas empresas iriam à falência? Quantos empregos se perderiam? Certamente, a impossibilidade generalizada de acesso a meios informáticos geraria um colapso da economia à escala global.

No entanto, a permanente disponibilidade de acesso a vastas quantidades de informação tem o curioso efeito de isolar as pessoas no seu mundo. É tanta a informação que a tendência de muitos profissionais é a de se concentrarem e especializarem apenas naquela que lhes diz diretamente respeito.

Naturalmente que qualquer profissional deve conhecer a fundo a sua área, dominar perfeitamente as ferramentas que utiliza, ser um especialista. Já Luís de Camões reconheceu na sua obra mor o valor do “saber de experiência feito”, frase que a sabedoria popular traduziu na expressão tantas vezes ouvida “são muitos anos a virar frangos”.

A questão é que “muitos anos a virar frangos” – ou, o que é o mesmo, muitos anos a fazer sempre o mesmo, quantas vezes com o nariz colado ao ecrã de um computador – limitam fortemente a visão que se tem da realidade. É para evitar isso que cada vez mais as empresas incentivam os seus colaboradores – e, em especial, os seus gestores e/ou líderes – a dedicarem algum do seu tempo a conhecer outras áreas e outros mundos.

A leitura é, claro, uma das formas mais eficazes de o fazer, já que, para além de excelente exercício mental, permite alargar horizontes, entender reações e contextos, perceber motivações técnicas, sociais e políticas. Para além disso, é fortemente estimuladora da imaginação e da criatividade. Não é, por isso, surpreendente constatar que os melhores líderes são os que mais leem e mais cultura têm.

O mundo seria claramente melhor se se lesse mais, a começar pelos alunos, passando pelos profissionais, e não esquecendo os políticos (cujas visões limitadas tantas vezes nos surpreendem e revoltam). E se para os mais viciados ou fanáticos das TIC um livro é um objeto obsoleto e arcaico, então que leiam e-books. O que interessa é que leiam, que abram horizontes, e que percebam que existem muitas outras coisas para além de “virar frangos”.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Piloto automático


Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 15 de Janeiro de 2013


As tecnologias da informação e comunicação (TIC) estão tão entranhadas no nosso dia a dia que quase não nos apercebemos que muitas das coisas que vemos acontecer são resultado de processos quase totalmente ou mesmo totalmente automatizados.

Linhas de produção inteiras funcionam de forma automatizada, nas quais robôs são controlados por computadores, sob supervisão de um número muito reduzido de operadores. Comboios viajam constantemente sem condutor, em aeroportos e em linhas de metropolitano em várias cidades do mundo. A condução de veículos privados é, cada vez mais, apoiada em computadores e respetivo software. Equipamentos cirúrgicos de precisão são controlados informaticamente. Cada vez mais a nossa segurança depende de máquinas, de autómatos, de software, e menos de pessoas.

Os sistemas automatizados têm gradualmente provado que são seguros, quiçá mais seguros que os que são controlados por operadores humanos. Apesar disso e de todos os avanços tecnológicos, uma das áreas que ainda resiste à total automatização é a dos voos comerciais.

Uma grande parte dos acidentes aéreos deve-se a erros humanos. Nalguns casos, se os sistemas de piloto automático tivessem sido deixados operar normalmente, esses acidentes não teriam ocorrido.

A prova de que a tecnologia atual já permite efetuar voos sem piloto é o facto de isso ser já comum em muitos sistemas militares. Aviões não tripulados, comandados por operadores em terra, são cada vez mais utilizados em missões, críticas ou de rotina, com desempenhos que dificilmente seriam atingidos pelos melhores pilotos humanos. Sistemas de pilotagem automática são utilizados para controlar o voo de caças F-18, desde o momento em que levantam até que aterram em porta-aviões, sob as mais rigorosas condições atmosféricas. Nesses casos, os pilotos simplesmente assistem à aterragem, sem tocarem nos comandos.

Os próprios aviões comerciais já dispõem, em muitos casos, de equipamentos que permitem que todas as fases do voo sejam automáticas. É claro que ainda existem alguns desafios técnicos até que aviões comerciais possam efetuar voos sem piloto. Um deles é o da melhoria dos canais de comunicação com a aeronave, problema esse que não existe nos voos militares, já que estes sistemas têm canais de comunicação dedicados.

O maior e mais forte obstáculo é, no entanto, psicológico. Poucas pessoas aceitariam viajar num avião sabendo que este não teria piloto. É muito mais reconfortante saber que se partilha o destino com um piloto e um copiloto do que com um conjunto de sistemas computacionais e software, ainda que, na realidade, os pilotos sejam muito mais falíveis. No entanto, à semelhança do que está a acontecer com comboios e automóveis, será apenas uma questão de tempo. Afinal, no nosso dia-a-dia, não confiamos nós os nossos destinos a pessoas que tantas vezes se enganam?

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Saber pensar


Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 7 de Janeiro de 2013


Escrever, no início de 2013, sobre os perigos da Internet seria, no mínimo, déjà vu, redundante, desnecessário. O mesmo aconteceria se falámos dos seus benefícios e malefícios, amplamente debatidos, quase gastos de tanto andarem nas bocas do mundo. Na realidade, a Internet é, cada vez mais, implícita e invisível, tão subjacente que está a praticamente tudo o que fazemos. Talvez por isso, ao contrário do que se pensa, não tenha efeitos para além de trazer à luz as qualidades e defeitos que as pessoas, essas sim, têm.

Mais do que um fenómeno tecnológico, a Internet é um fenómeno social, bastante semelhante, salvaguardadas as proporções, a outras tecnologias e fenómenos relacionados com a comunicação, como sejam a imprensa escrita, a rádio, o telefone, o cinema ou a televisão, que, quando apareceram, revolucionaram o mundo.

Que me perdoem sociólogos e antropólogos por meter foice em seara alheia (prometo, em troca, perdoar-lhes a eles quando falarem de tecnologias), mas sou de opinião de que os tão alardeados perigos e vícios imputados à Internet resultam, afinal, da natureza humana e já caracterizavam os primeiros Homo Sapiens, se não mesmo outros hominídeos que os antecederam.   

Mas falamos, afinal, de que vícios? Do ardil? Da mentira? Da inveja? Da ganância? Do egoísmo? Da vaidade? Da luxúria? Não vou aqui reeditar os sete pecados capitais, obra já escrita por S. Tomás de Aquino no século XIII, e muito menos condená-los ou louvá-los. Basta-me, por agora, realçar que nada disso nasceu com a Internet, como é óbvio.

O que é importante é que se aprenda a lidar com as características da Internet que potenciam alguns vícios. Por exemplo, a superabundância de informação facilmente conduz à superficialidade, à falta de análise, ao copy/paste sem que haja o cuidado de analisar, compreender e selecionar a informação.

Curiosamente, também pode ocorrer o contrário. A tentativa de limitar e personalizar em demasia os interesses pode conduzir a grupos muitos fechados, a um estreitar de vistas e de opiniões, a ecossistemas de informação demasiado delimitados. É um fenómeno também comum noutros ambientes, que nada têm a ver com a Internet.

Outro efeito muito frequente é o da propagação dos erros. Pelo facto de algo estar na Internet isso não significa que seja correto ou verdadeiro. No entanto, existe uma tendência quase natural em acreditar em informação publicada por outros. Assim, muitos erros são propagados, de boa ou má fé.

Saber pensar por si próprio, manter um espírito crítico mas aberto, confrontar e analisar diferentes fontes são, por isso, essenciais num mundo inundado de informação. Desta forma estaremos todos preparados para enfrentar os perigos e vícios que não são, afinal, da Internet, mas sim de nós próprios. Estaremos, em suma, melhor preparados para viver numa sociedade cada vez mais exigente.