quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Os novos especuladores


Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 25 de Setembro de 2012


Os antropólogos discutem ainda se foi a inteligência dos primeiros humanos que levou ao desenvolvimento de ferramentas, ou se foram as ferramentas primitivas que tiveram um papel fundamental no desenvolvimento da inteligência. Uma coisa é certa, esse desenvolvimento foi efetuado ao longo de milhões de anos.

De facto, fomos “construídos” de forma a lidar bem com mudanças lentas. O problema é que no mundo de hoje não se pode dizer que as coisas andem devagar, a começar pelas ferramentas que utilizamos, que surgem a um ritmo alucinante e, em grande parte, fogem ao nosso controlo.

Falo, em particular, das ferramentas que recorrem às tecnologias da informação e comunicação (TIC), das quais dependemos cada vez mais e que, em muitos casos, já nos cerceiam a liberdade.

Deixemos, no entanto, a discussão sobre o impacto que as ferramentas de TIC têm sobre nós para antropólogos e sociólogos – esperando que essa discussão sobreviva à velocidade de mudança imposta pelas TIC – e avancemos para um caso concreto: as transações financeiras.

As TIC possibilitam agora que as transações financeiras se façam de forma praticamente instantânea. À primeira vista, poderemos pensar que só há vantagens nisso, mas o que é certo é que muitos especialistas creem que isso está na base da volatilidade dos mercados e da crise económica mundial que agora vivemos.

Certamente, pensarão muitos leitores, a culpa não está nas TIC ou na rapidez que permitem, mas sim nos famigerados e odiados especuladores, que ninguém parece conhecer. A questão é que a grande maioria das transações financeiras que ocorrem no mundo já não são ditadas por pessoas mas sim por algoritmos computacionais, desenvolvidos para maximizar lucros. Essas transações ocorrem entre computadores, de forma totalmente automatizada, sem qualquer intervenção humana. São os computadores que vendem e compram ações, ditam taxas de juro, especulam.

Dir-se-á que há regras, que há regulamentação internacional, que há fiscalização e que, por isso, tudo está sob controlo. Os especialistas sabem que as regras existentes ou são demasiado frouxas ou são demasiado complexas para serem postas em prática e serem fiscalizadas.

Economias, países inteiros, milhões de vidas humanas são, assim, afetados por um sistema em grande parte automatizado e sob controlo de computadores. Os governos lutam, esperneiam, tomam medidas, exigem sacrifícios. Por outro lado, os algoritmos computacionais financeiros reagem de forma autónoma aos mercados, cegos a pessoas, a vidas, a destinos. Quase que dá para perguntar: será que são as pessoas que usam as TIC ou será que são as TIC que usam as pessoas? Será que perdemos o controlo sobre as nossas ferramentas? Provavelmente, só os computadores saberão a resposta.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Acreditar no futuro


Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 17 de Setembro de 2012


Como povo, nunca receámos ultrapassar as nossas fronteiras e procurar novas terras e novos futuros, com diferentes sortes, é certo. Quando o mundo, calcorreado de lés a lés, se tornou pequeno e conhecido, continuámos a fazê-lo, já não como nação, mas como indivíduos, procurando incessantemente melhores porvires.

Vivemos agora uma época em que, de novo, a escassez de oportunidades impele muitos a procurar no estrangeiro uma vida melhor. Existem, no entanto, algumas diferenças fundamentais em relação ao passado.

Investimos muitos recursos na educação e formação de várias gerações. Independentemente da eficiência na utilização desses recursos – que agora não vem ao caso – formámos profissionais competentes, capazes, dedicados. Empurramo-los agora para fora do país e, ao fazê-lo, damos por perdidos os recursos que gastámos (e que estamos agora a pagar) e, o que é ainda pior, comprometemos o futuro ao esbanjarmos a nossa maior riqueza: as pessoas que seriam capazes de construir aqui um futuro melhor para todos.

Nalgumas áreas, no entanto, ainda se pode resistir um pouco. Uma delas é a das tecnologias da informação e comunicação (TIC). Na última década surgiram no país muitas empresas de TIC, em muitos casos originárias do meio universitário. São as chamadas empresas de spin-off (aqui faço um parêntesis: as universidades, que alguns, pouco atentos, ainda consideram fechadas sobre si, têm gerado centenas de empresas de spin-off, que muito têm dado ao país).

Pois essas empresas cedo perceberam que o mercado interno é limitado e, portanto, que haveria que procurar novos mundos. Mas em vez de os seus especialistas procurarem lá fora os empregos que, certamente, teriam facilidade em arranjar, preferiram criar riqueza no seu próprio país. Recorrendo às próprias TIC, alargaram os seus horizontes, abarcando mercados internacionais e exportando as suas soluções informáticas para todo o mundo, com enorme sucesso.

Claro que, para isso, houve que reunir muitas coisas: visão, competência, iniciativa, perseverança, meios financeiros e, naturalmente, porque não dizê-lo, sorte. No fundo, aproveitou-se o génio, investiu-se e arriscou-se. Só assim se consegue vencer.

O sucesso dessas empresas a elas se deve. Construíram-no com sacrifício, competindo com outras, de muitos outros países, que também procuravam objetivos semelhantes. Fizeram-no lutando contra muitos obstáculos, não poucas vezes internos ao próprio país, carregado de desigualdades que se agravam todos os dias.

Ao fazê-lo mostraram que é possível ter sucesso à escala internacional e que é possível continuar a viver e a lutar por um país melhor. Felizmente, as TIC não são exemplo único. É que precisamos de muitos exemplos destes para não deixar de acreditar no futuro.

terça-feira, 11 de setembro de 2012

A aldeia global


Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 10 de Setembro de 2012


O conceito de aldeia global – que parece estar outra vez na moda – tem já meio século de existência e refere-se à contração virtual do mundo, das suas economias, das suas culturas e das formas de pensar, provocada pela facilidade de deslocação e de comunicação. Todos estamos em contacto uns com os outros, todos dependemos de todos e, por isso, mais do que nunca, nos parece que o mundo é uma pequena aldeia.

É claro que para isso muito contribuem as tecnologias da informação e comunicação (TIC), fixas ou móveis, já que aproximam as pessoas – ainda que estas estejam separadas por meio mundo – e fazem chegar a qualquer lado informação, opiniões, denúncias e apelos. Que as TIC potenciam uma consciencialização global e que são, por isso, uma ferramenta explorada e temida por governos, governantes e opositores, não existe dúvida.

No entanto, analisando bem o mundo em que vivemos, rapidamente se chega à conclusão de que o conceito de aldeia global não passa disso mesmo, um idealismo, algo que não tem correspondência com a realidade, quiçá um mero instrumento de marketing.

Não existe aldeia global e ainda bem que assim é. Mais ainda, felizmente que as TIC – que muitos encaram como a base dessa inexistente aldeia global – nos mostram que somos um mundo feito de diferentes culturas e costumes, diferentes línguas, diferentes histórias e diferentes nações, já que é nessa variedade que está a riqueza dos povos e é nessa diversidade que devemos alicerçar o respeito pela diferença.

É certo que as TIC mudaram profundamente – e continuarão a mudar – o mundo que nos rodeia mas, apesar disso, é curioso verificar que por muitos avanços tecnológicos, por muita civilização, continuamos a guiar-nos pelos mesmos impulsos contraditórios de tribalismo e individualismo que sempre estiveram subjacentes à evolução da nossa espécie. Se, por um lado, cultivamos o individualismo, a personalização e a diferença, por outro alicerçamos muito do nosso equilíbrio em formas de pertença a grupos.

Daí que o conceito de aldeia global seja, simultaneamente apelativo e repugnante. Apelativo, porque potenciador do espírito de pertença. Repugnante, porque redutor da diferença, da identidade dos grupos e de cada um.

Mas não nos deixemos levar por conceitos ou chavões de pouca ou nenhuma validade. Uma coisa é certa: independentemente da duvidosa utilidade do conceito de aldeia global, são as próprias TIC que nos permitem perceber que o mundo não é uma aldeia, mas sim que cada região, cada cultura, cada aldeia é, em si mesma, um mundo. Resta-nos agora, utilizar as TIC para melhor explorar e projetar o pequeno grande mundo que existe em cada aldeia. Se o soubermos fazer, ninguém mais falará em aldeia global e o mundo só terá a ganhar com isso.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Estaremos preparados?



Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 3 de Setembro de 2012


Muitos dos avanços tecnológicos foram impulsionados por motivações militares, quer de natureza ofensiva quer defensiva. Um dos exemplos mais marcantes é o da própria Internet, cuja origem, na década de 1960, está ligada ao Departamento de Defesa dos Estados Unidos da América (EUA).

Muita água passou debaixo das pontes desde os primórdios da Internet, de tal modo que parece que vivemos já num outro planeta. A Internet e as tecnologias da informação e comunicação (TIC) mudaram o mundo, não pela via militar mas sim por via da sociedade civil, de tal forma que hoje é impossível viver sem as TIC.

Não deixa, no entanto, de haver alguma ironia do destino no facto de as TIC serem agora encaradas como uma das mais temidas armas no nosso planeta. Alguns leitores pensarão, neste ponto, que esta é uma afirmação com um elevado grau de exagero, mas uma análise um pouco mais detalhada será suficiente para mostrar que assim não é.

As TIC são essenciais para todas as áreas da atividade, desde a agricultura ao comércio, passando por todo o tipo de indústrias. Para um número incontável de empresas e entidades o ataque mais temido é um ataque aos seus sistemas informáticos, à sua informação, já que tal ataque as poderia tornar inoperacionais. A ligação em rede é essencial para essas empresas, mas é também a principal fonte de preocupação. Por isso se investe cada vez mais em segurança informática.

No entanto, a ameaça informática subiu recentemente para um outro nível. As TIC podem agora ser – e são-no, de facto – utilizadas por países para a chamada ciberguerra, quer em termos defensivos quer em termos ofensivos. A partir do momento em que se percebeu que um ataque cibernético pode por em causa infraestruturas críticas como redes de água, redes de eletricidade, redes de gás e redes de telecomunicações, as TIC passaram a ser de enorme importância para a segurança dos países.

A prova de que o perigo é real é o facto de os EUA e a Rússia estarem em negociações para o estabelecimento de uma linha de comunicação segura – e respetivas formas de funcionamento e utilização – para prevenir a ameaça de ciberguerra entre os dois países, à semelhança do famoso telefone vermelho criado em 1963, em plena guerra fria, para ligação direta entre a Casa Branca e o Kremlin. Conversações semelhantes decorrem, também, entre os EUA e a China.

A troca de informação entre estes países poderá evitar que, em presença de ciber-ataques não identificados, haja uma escalada de violência cibernética ou mesmo bélica, de consequências imprevisíveis.

Já ninguém parece duvidar de que as TIC são uma arma temível, no verdadeiro e literal sentido do termo. Neste contexto, importa perguntar: e nós, aqui neste cantinho à beira-mar plantado, estaremos preparados?