Artigo de opinião
publicado no diário ‘As Beiras’
em 25 de Setembro
de 2012
Os antropólogos discutem
ainda se foi a inteligência dos primeiros humanos que levou ao desenvolvimento
de ferramentas, ou se foram as ferramentas primitivas que tiveram um papel
fundamental no desenvolvimento da inteligência. Uma coisa é certa, esse
desenvolvimento foi efetuado ao longo de milhões de anos.
De facto, fomos “construídos”
de forma a lidar bem com mudanças lentas. O problema é que no mundo de hoje não
se pode dizer que as coisas andem devagar, a começar pelas ferramentas que utilizamos,
que surgem a um ritmo alucinante e, em grande parte, fogem ao nosso controlo.
Falo, em particular, das
ferramentas que recorrem às tecnologias da informação e comunicação (TIC), das
quais dependemos cada vez mais e que, em muitos casos, já nos cerceiam a
liberdade.
Deixemos, no entanto, a
discussão sobre o impacto que as ferramentas de TIC têm sobre nós para
antropólogos e sociólogos – esperando que essa discussão sobreviva à velocidade
de mudança imposta pelas TIC – e avancemos para um caso concreto: as transações
financeiras.
As TIC possibilitam agora
que as transações financeiras se façam de forma praticamente instantânea. À
primeira vista, poderemos pensar que só há vantagens nisso, mas o que é certo é
que muitos especialistas creem que isso está na base da volatilidade dos
mercados e da crise económica mundial que agora vivemos.
Certamente, pensarão muitos
leitores, a culpa não está nas TIC ou na rapidez que permitem, mas sim nos
famigerados e odiados especuladores, que ninguém parece conhecer. A questão é
que a grande maioria das transações financeiras que ocorrem no mundo já não são
ditadas por pessoas mas sim por algoritmos computacionais, desenvolvidos para
maximizar lucros. Essas transações ocorrem entre computadores, de forma
totalmente automatizada, sem qualquer intervenção humana. São os computadores
que vendem e compram ações, ditam taxas de juro, especulam.
Dir-se-á que há regras, que
há regulamentação internacional, que há fiscalização e que, por isso, tudo está
sob controlo. Os especialistas sabem que as regras existentes ou são demasiado
frouxas ou são demasiado complexas para serem postas em prática e serem
fiscalizadas.
Economias, países inteiros,
milhões de vidas humanas são, assim, afetados por um sistema em grande parte
automatizado e sob controlo de computadores. Os governos lutam, esperneiam,
tomam medidas, exigem sacrifícios. Por outro lado, os algoritmos computacionais
financeiros reagem de forma autónoma aos mercados, cegos a pessoas, a vidas, a
destinos. Quase que dá para perguntar: será que são as pessoas que usam as TIC
ou será que são as TIC que usam as pessoas? Será que perdemos o controlo sobre
as nossas ferramentas? Provavelmente, só os computadores saberão a resposta.