quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

e-fatura


Graças às fantásticas tecnologias da informação e comunicação (TIC), já estivemos mais longe de um estado no qual deixará de ser necessário submeter a declaração anual de rendimentos. De facto, tem sido um processo gradual mas seguro.

Primeiro, começou-se por poder submeter a declaração através da Internet. Que avanço tecnológico! Os formulários em papel deixaram de ser necessários e todos ficaram maravilhados com esta (aparente) desburocratização. Pouparam-se incontáveis e inúteis horas em filas, otimizaram-se recursos humanos e materiais, houve, de facto, melhoria qualitativa.

O passo seguinte foi o do pré-preenchimento de certos campos, com dados provenientes de entidades patronais, seguradoras, entidades bancárias e serviços do Estado. Foi o início do popularmente chamado “cruzamento de dados”. É claro que quem não deve não teme, e todos agradecem o facto de certos campos da referida declaração serem preenchidos de forma automática, o que só pode ser classificado como prático.

Agora estamos a assistir a um novo passo, que é o do registo de todo o tipo de faturas. Mais uma vez, só há vantagens, a começar pelo combate à fuga ao fisco (isso sim, um flagelo a eliminar) e pelo benefício fiscal para os contribuintes. Quem vende ou presta serviços declara-os à Autoridade Tributária, que os associa ao contribuinte, num processo conhecido como e-fatura. O contribuinte, por sua vez, se for coca-bichinhos e não tiver nada mais interessante que fazer na vida, poderá dedicar-se a perder horas a fio a confirmar fatura a fatura, documento de despesa a documento de despesa, regozijando-se quando encontra uma falha, cuja resolução o levará a mais algumas horas de puro “prazer”.

Se não fosse pelas implicações necessariamente desinquietantes, seria o paraíso da burocracia, o expoente máximo do controlo processual e financeiro: um sistema no qual tudo, absolutamente tudo, fica automaticamente registado nos serviços do Estado, para efeitos fiscais, naturalmente, até ao dia em que alguém se lembre de o utilizar para mais alguma coisa como, por exemplo, a segurança do Estado de direito, a investigação criminal, ou o rigoroso cumprimento da Lei nas suas mais variadas áreas. E quem pode opor-se ao cumprimento da Lei?

De facto, já não estamos no 1984 de George Orwell. Estamos muitíssimo mais à frente e não só em termos cronológicos. Sem nos darmos conta, estamos, isso sim, a construir uma sociedade muito mais limitadora e assustadora, na qual trocamos o direito à privacidade pelo beneficiozinho fiscal e pela ilusão de usufruir das comodidades do avanço tecnológico. Na realidade, talvez esta seja uma e-fatura demasiado alta.