quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

A máquina de votos


Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 24 de Janeiro de 2011


Longe vão os tempos das longas noites eleitorais, nas quais os resultados de eleições – autárquicas, legislativas ou presidenciais – nos chegavam ‘a conta-gotas’ e em que se tinha de esperar longas horas, se não a noite inteira, para conhecer os resultados finais. Essa lentidão – que não era totalmente negativa, pois permitia que se criasse todo um espetáculo à sua volta – há muito que foi substituída por resultados praticamente definitivos ao fim de uma ou duas horas.

Para tal celeridade em muito contribuem as tecnologias da informação e comunicação (TIC) e todos os meios que delas fazem uso de forma intensiva. É, sem dúvida, algo de extremamente positivo, que denota excelente capacidade técnica de pessoas, entidades e empresas que se dedicam a desenvolver e explorar os complexos sistemas de informação que estão por detrás de qualquer eleição.

No entanto, todo o processo de recolha do voto dos cidadãos é ainda manual, salvo em casos experimentais, obrigando a que o eleitor se desloque a uma secção de voto e expresse a sua vontade num papel posteriormente colocado num receptáculo físico, sob controlo da mesa eleitoral. Será que, vivendo nós na era dos computadores e da Internet, tal processo não poderia ser tornado imaterial?

Existem já no mercado internacional vários fabricantes de sistemas de votação electrónica. Em termos conceptuais são sistemas simples, que permitem a recolha presencial do voto dos cidadãos através de um pequeno ecrã e que enviam esse voto para um sistema central de registo. Se o voto não for presencial, esses sistemas têm que ser dotados de um mecanismo de autenticação electrónica do votante.

Vários países utilizam extensamente sistemas destes, referindo-se como exemplos o Brasil, a Índia, a Venezuela ou os Estados Unidos da América. No entanto, muitos incidentes têm sido reportados e muitos países vêm esses sistemas como fortemente indesejáveis.

O problema maior dos sistemas de votação electrónica é o risco de fraude, que é tanto maior quanto mais complexo e quanto mais dependente de software for o sistema. Para além desse risco, existe a possibilidade – confirmada nos sistemas existentes – de erros de software, erros espúrios e avarias. Outros problemas têm a ver com a proteção contra ataques de hackers, capacidades de auditoria e necessidade de verificação e realização de testes intensivos. É de notar que alguns destes problemas só podem ser resolvidos se o sistema mantiver informação sobre quem votou em quem, o que gera um outro risco: o de alguém poder quebrar o sigilo de voto.

Conclui-se que, apesar da existência de sistemas de votação electrónica e de uma considerável experiência de uso em vários países, muitos obstáculos existem à utilização segura destes sistemas, cujos custos e riscos não compensam ainda os benefícios. Por muito que se goste de tecnologias, ninguém quer que uma máquina de voto se transforme, afinal, numa máquina de fabricar votos.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

2011


Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 10 de Janeiro de 2011


Aviso - Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com a realidade não é pura coincidência.

Ano da graça de 2034: o dispositivo electrónico de identificação (DEI) é generalizado e está em plena utilização. Com esta maravilha da nanotecnologia, implantada subcutaneamente à nascença em todos os indivíduos, existe uma total modernização, optimização e simplificação de processos. Não há necessidade de qualquer cartão. Nada é mantido em papel. Há uma completa desmaterialização. Há um integral respeito pela ecologia.

É agora possível saber onde as pessoas estão, a que horas chegam ao trabalho e quando se ausentam, que pausas fazem, que actividades desenvolvem, que fronteiras atravessam. O Sistema de informação global – apenas possível com recurso às redes de nova geração, às mais modernas tecnologias de Internet e à informática – acede directamente a toda a informação de registo contida nos computadores ligados à Rede. Todos os acessos ficam registados.

A Entidade Central sabe tudo sobre todos os cidadãos (afinal, quem não deve não teme): os dados pessoais, os registos civis, a situação fiscal, os registos de propriedade mobiliária e imobiliária, o registo criminal, a situação financeira.

As vantagens não se ficam pela relação com a Entidade Central. As viaturas circulam livremente, sendo a sua identificação e localização efectuadas de forma automática. Pode, assim, taxar-se em funções dos quilómetros percorridos. As infracções são imediatamente identificadas e comunicadas via Rede à autoridades e ao infractor. O constante rastreio de veículos permite uma rápida intervenção em caso de acidente, salvando vidas. A localização generalizada e constante de pessoas garante que não existem desaparecidos. Nenhuma criança se perde ou é raptada.

A criação e cessação de vínculos laborais é feita pela Rede. A ligação das empresas ao Sistema de informação global dispensa dinheiro e documentos. Em qualquer acto de compra e venda, o vendedor sabe imediatamente se o potencial comprador tem recursos suficientes para efectuar a transacção. A Entidade Central recebe, de imediato, toda a informação sobre todas as transacções.

Recorrendo a sensores é, ainda, possível controlar a saúde de todos em tempo real. Pode, assim, dimensionar-se o sistema de saúde e planear-se a sua resposta. Todos os gastos em saúde ficam optimizados. Todas as baixas médicas ficam automaticamente validadas. Todas as prescrições médicas ficam registadas e são comunicadas directamente às farmácias, que as executam, debitam e enviam ao doente.

Ano da graça de 2011: Ufff! Ainda bem que isto é uma obra de ficção! Mas, pensando bem, não estamos assim tão longe. A realidade aproxima-se perigosamente da ficção. De uma forma ou de outra, com pequenas variações, já quase tudo existe. Só os mecanismos de garantia de privacidade, de cidadania e de democracia nos separam disso. Mas quantas vezes eles falharam ao longo da história da Humanidade?

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Verdes de vergonha


Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 27 de Dezembro de 2010


Li há pouco a reconfortante notícia de que as tecnologias da informação e comunicação (TIC) vão permitir uma redução substancial das emissões de CO2 em diversos sectores de actividade. Nessa notícia as TIC eram, assim, catalogadas como campeãs das tecnologias verdes. Por outro lado, no entanto, não deixam de ser preocupantes algumas ideias erradas sobre poupanças e maus exemplos de utilização das TIC, que encontramos no nosso dia-a-dia.

Um mito que me ocorre é o de que os livros electrónicos são muito mais ecológicos do que os livros em papel. Façamos algumas contas usando, para tal, Os Maias, de Eça de Queirós. Admitindo que as mais de 700 páginas do livro se lêem em 30 horas, num dispositivo electrónico com 100 Watt de potência, teremos um gasto total de 3 KWh por leitura. Se o mesmo livro for lido 100 vezes teremos um gasto total de 300 KWh, o que corresponderá, grosso modo, a uma emissão de 150 quilogramas de CO2. Por outro lado, 100 leituras desse mesmo livro em papel, por exemplo numa biblioteca, correspondem a uma emissão negativa de CO2, já que as fibras vegetais de que o livro é feito fixaram carbono. Naturalmente que não contabilizámos aqui os processos de fabrico, mas se tivermos em conta de que os computadores incluem imensas componentes plásticas, metálicas, corrosivas, tóxicas, etc., pouco ecológicas, dificilmente os livros em papel ficarão a perder. Não contabilizámos, também, as infindáveis horas gastas em updates de software, reboots, crashes, resolução de vírus, backups e reparações.

A um nível mais macroscópico, verifica-se que as necessidade de energia dos centros de dados, centros de computação e grandes instalações tecnológicas não param de crescer. Estima-se que nos países desenvolvidos os gastos de energia com servidores informáticos, equipamentos de comunicação e equipamentos de utilizador atinjam já os 10% dos gastos energéticos totais, estando essa parcela a aumentar gradualmente. Por este motivo, existe uma preocupação crescente dos fabricantes no sentido de optimizar os consumos energéticos dos equipamentos, reduzir a utilização de substâncias tóxicas e maximizar a utilização de materiais e componentes recicláveis.

Globalmente, as TIC são uma ferramenta importante na gestão de energia, desde a produção até ao consumo mas, por si só, não conduzem a poupança. O mais eficiente dos equipamentos pode ser usado de forma a provocar um desnecessário consumo de energia. Tem que ser cada um de nós, em cada utilização, a pensar se o que fazemos é ecologicamente certo, estando nas nossas mãos transformar a informática num poderoso aliado ou num formidável inimigo da ecologia. Para já, no entanto, com enormes gastos de energia, com a utilização de componentes pouco ecológicas e com a geração de grandes desperdícios de papel verificada na prática, a resposta à questão sobre a cor das TIC só pode ser uma: verdes as TIC? Só se for de vergonha.