quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Verdes de vergonha


Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 27 de Dezembro de 2010


Li há pouco a reconfortante notícia de que as tecnologias da informação e comunicação (TIC) vão permitir uma redução substancial das emissões de CO2 em diversos sectores de actividade. Nessa notícia as TIC eram, assim, catalogadas como campeãs das tecnologias verdes. Por outro lado, no entanto, não deixam de ser preocupantes algumas ideias erradas sobre poupanças e maus exemplos de utilização das TIC, que encontramos no nosso dia-a-dia.

Um mito que me ocorre é o de que os livros electrónicos são muito mais ecológicos do que os livros em papel. Façamos algumas contas usando, para tal, Os Maias, de Eça de Queirós. Admitindo que as mais de 700 páginas do livro se lêem em 30 horas, num dispositivo electrónico com 100 Watt de potência, teremos um gasto total de 3 KWh por leitura. Se o mesmo livro for lido 100 vezes teremos um gasto total de 300 KWh, o que corresponderá, grosso modo, a uma emissão de 150 quilogramas de CO2. Por outro lado, 100 leituras desse mesmo livro em papel, por exemplo numa biblioteca, correspondem a uma emissão negativa de CO2, já que as fibras vegetais de que o livro é feito fixaram carbono. Naturalmente que não contabilizámos aqui os processos de fabrico, mas se tivermos em conta de que os computadores incluem imensas componentes plásticas, metálicas, corrosivas, tóxicas, etc., pouco ecológicas, dificilmente os livros em papel ficarão a perder. Não contabilizámos, também, as infindáveis horas gastas em updates de software, reboots, crashes, resolução de vírus, backups e reparações.

A um nível mais macroscópico, verifica-se que as necessidade de energia dos centros de dados, centros de computação e grandes instalações tecnológicas não param de crescer. Estima-se que nos países desenvolvidos os gastos de energia com servidores informáticos, equipamentos de comunicação e equipamentos de utilizador atinjam já os 10% dos gastos energéticos totais, estando essa parcela a aumentar gradualmente. Por este motivo, existe uma preocupação crescente dos fabricantes no sentido de optimizar os consumos energéticos dos equipamentos, reduzir a utilização de substâncias tóxicas e maximizar a utilização de materiais e componentes recicláveis.

Globalmente, as TIC são uma ferramenta importante na gestão de energia, desde a produção até ao consumo mas, por si só, não conduzem a poupança. O mais eficiente dos equipamentos pode ser usado de forma a provocar um desnecessário consumo de energia. Tem que ser cada um de nós, em cada utilização, a pensar se o que fazemos é ecologicamente certo, estando nas nossas mãos transformar a informática num poderoso aliado ou num formidável inimigo da ecologia. Para já, no entanto, com enormes gastos de energia, com a utilização de componentes pouco ecológicas e com a geração de grandes desperdícios de papel verificada na prática, a resposta à questão sobre a cor das TIC só pode ser uma: verdes as TIC? Só se for de vergonha.