terça-feira, 29 de maio de 2012

Um novo Pearl Harbor


Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 28 de Maio de 2012


Na manhã de 7 de dezembro de 1941, um ataque surpresa do Japão à base naval americana de Pearl Harbor, no Hawaii, causou cerca de 2500 mortos e perdas consideráveis nas forças navais e aéreas dos Estados Unidos da América (EUA), levando à entrada dos EUA na 2ª Guerra Mundial.

Um ataque deste tipo já não seria possível nos dias de hoje dados os sofisticados sistemas de vigilância e segurança militares existentes nesses e em muitos outros países, que recorrem intensivamente às mais avançadas tecnologias da informação e comunicação (TIC).

No entanto, são as próprias TIC – e a Internet em geral – que constituem também, nos nossos dias, uma das armas mais poderosas do planeta. As TIC são uma arma utilizada por pessoas, organizações e, até, países, para a execução de ataques a outras pessoas, organizações e países, sendo conhecidos inúmeros incidentes deste tipo, com maior ou menor impacto.

Organismos governamentais de praticamente todos os países são alvo de tentativas de ataque informático constantemente. Por exemplo, numa entrevista ao Times em Outubro de 2011, o Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros Britânico, William Hague, informou que todos os dias ocorrem mais de seiscentas tentativas de ataque informático a sistemas governamentais e que o Reino Unido iria gastar cerca de 650 milhões de libras nos próximos quatro anos para reforçar os sistemas de segurança informática.

Por outro lado, em fevereiro de 2012 o Diretor do FBI, Robert Mueller, reconheceu que os ciber-ataques se estão a tornar numa importante ameaça terrorista para o país e que dentro em breve serão a principal.

Para além de alvos governamentais, os atacantes informáticos têm também por alvo infraestruturas críticas, como sejam redes de abastecimento de todo o tipo (água, gás, eletricidade), redes de telecomunicações e, até, sistemas essenciais para o funcionamento da própria Internet, como sejam serviços de tradução de nomes em endereços ou motores de busca. Um outro tipo de objetivos importantes dos atacantes são a espionagem industrial e comercial, e o roubo de ideias e designs, com o intuito de obter vantagens comerciais e/ou enfraquecer economias.

Não é, por isso, à toa que está presentemente em discussão nos EUA a proposta de lei designada “Cyber Intelligence Sharing and Protection Act (CISPA)”, que visa a proteção dos sistemas informáticos do país, a investigação e punição dos crimes informáticos, a proteção e segurança das pessoas, e a própria segurança nacional.

Não é uma lei livre de polémica dados os aspetos de ameaça à privacidade que comporta, lei essa a que se opõe a própria Administração Obama. Mas é um forte sinal de que os EUA – e muitos outros países no mundo – sabem que o próximo Pearl Harbor será informático.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Uma árdua tarefa


Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 15 de Maio de 2012


Talvez uma das tarefas mais árduas que se possa empreender num mundo dominado pela tecnologia e pela complexidade das ferramentas seja pegar numa necessidade, numa ideia ou num processo e transformá-los em algo revolucionariamente simples.

Agora que já passou algum tempo desde o desaparecimento de Steve Jobs, talvez já exista o distanciamento suficiente para reconhecer, sem o desmedido endeusamento e mistificação que a mediatização acarreta, que esse foi um dos seus principais trunfos e, também, a sua grande lição.

Felizmente que – apesar do que se poderia julgar pelo alarido – Steve Jobs não foi e não será o único visionário e empreendedor bem sucedido. A História está cheia de pessoas que não se deixaram vencer pelos desafios e souberam ver muito para além da tecnologia e conhecimento disponíveis no momento em que viveram.

É certo que as tecnologias da informação e comunicação (TIC) nos abrem agora vastas possibilidades em termos de inovação e melhoria, mas os desafios de conceber sistemas e/ou processos melhores não diminui por isso.

Dirão uns que os processos devem ser adaptados às novas tecnologias. Outros argumentarão que, por outro lado, deve a tecnologia ser utilizada para modelar os processos, adaptando-se a eles. Outros, ainda, defenderão que devem ser os utilizadores a dizer o que pretendem. E, claro, os técnicos dirão que quem domina a tecnologia é que está em melhor posição para tomar decisões de implementação acertadas. Nenhuns têm razão!

Modelar um processo à luz de uma determinada tecnologia é condená-lo aos defeitos e limitações desta última. Utilizar uma tecnologia para reproduzir um processo ou procedimento tal como era executado antes dela é perpetuar os seus defeitos e ineficiências.

Por outro lado, deixar decisões de implementação a quem domina a tecnologia é o mesmo que acreditar que pessoas de uma dada área tecnológica tenham, por artes mágicas, uma visão esclarecida sobre todas as outras áreas, o que é totalmente irrealista. E quanto aos utilizadores, quantas vezes sabem verdadeiramente o que querem antes de o verem? Henry Ford, o inventor dos automóveis, disse um dia que se tivesse perguntado às pessoas o que queriam elas ter-lhe-iam dito que queriam cavalos mais rápidos. Nunca lhe teriam dito que precisavam de carruagens sem cavalos.

Desenvolver bons produtos, serviços ou soluções é, pois, muito mais complexo do que pode parecer à primeira vista. Umas vezes as tecnologias ajudam. Outras, atrapalham. Uma coisa é certa: a aparente simplicidade das soluções que vingam tem sempre por trás um aturado trabalho de estudo e análise.  Atingir o sucesso é algo que todos gostaríamos e que devemos tentar, mas é também uma árdua tarefa que nem todos conseguem ou estão dispostos a empreender.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Pronósticos só depois do jogo


Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 5 de Maio de 2012


Vivemos num mundo governado pelo imediatismo e, por conseguinte, pela pressão de atingir sucesso instantâneo e resultados no mais breve espaço de tempo possível. Infelizmente, esta tendência é visível em todas as áreas de atividade e até em políticas e estratégias, onde, para além do imediato, se deveria pensar nos médio e longo prazos.

A febre dos objetivos, indicadores e resultados também se tem aplicado – em demasia, na minha modesta opinião – à ciência e à tecnologia. Esquecem-se os muitas vezes autoapelidados especialistas da inovação e empreendedorismo que não existe forma de determinar a priori o impacto de um dado avanço científico ou tecnológico, e que tal impacto poderá demorar anos ou décadas a sentir-se. Ao pensar-se apenas em termos de curto prazo, cria-se um caminho errático que pode não conduzir a lado nenhum, algo a que, infelizmente, nos temos vindo a habituar nas últimas décadas.

É certo que, como disse o notável físico dinamarquês Niels Bohr, "as previsões são sempre muito difíceis, especialmente se dizem respeito ao futuro" (frase esta também atribuída a muitas outras personalidades, incluindo o escritor americano Mark Twain) ou, como disse um notável treinador português quando inquirido sobre as suas previsões para o resultado de um clássico de futebol, "prognósticos só depois do jogo".

Nada é mais certo. São inúmeros os casos em que avanços científicos e/ou tecnológicos só tiveram aplicação ou reconhecimento décadas ou séculos depois de terem sido desenvolvidos. Alguns deles estão na base do funcionamento de coisas tão essenciais nos nossos dias como os computadores, a Internet ou as comunicações móveis, que agora movimentam quantidades incalculáveis de dinheiro em todos os países do globo.

Tomemos como exemplo, entre os muitos possíveis, a invenção dos transmissores rádio por Guglielmo Marchese Marconi (1874-1937), um engenhoso italiano que falhou a entrada na Academia Naval Italiana e na Universidade de Bolonha. Poucos acreditaram no potencial da sua invenção, realizada em 1896 e que permitiu, pela primeira vez, a transmissão sem fios a 2.4 Km de distância.

É claro que nessa época existiam já o telégrafo e o telefone elétricos, com fios, que eram utilizados em escala relativamente larga e que serviam as necessidades dos seus utilizadores, desde simples cidadãos a governos, passando por destacados homens de negócios.

Felizmente que, também no caso da transmissão rádio, alguns – poucos, como sempre –  reconheceram o potencial do invento, e decidiram apoiá-lo e investir, apesar de saberem que só no médio ou longo prazo os benefícios seriam visíveis. Mas quantos não terão tido tanta sorte, e quantos inventos e avanços terão ficado adiados ou esquecidos ao longo da história da Humanidade?

terça-feira, 1 de maio de 2012

O desafio dos dados


Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 30 de Abril de 2012


Nota-se, na sociedade atual, uma obsessão pelos dados e pela informação. Bases de dados de todo o tipo são criadas, sofregamente mantidas e engordadas, inexoravelmente interligadas e relacionadas, por receio de que à faminta máquina da sociedade falte o alimento dos dados.

Paradoxalmente, processos administrativos anteriormente simples tornam-se –  aproveitando as possibilidades abertas pelas tecnologias da informação e comunicação (TIC) – burocraticamente muito mais pesados, ávidos de informação e de completude processual. A simplificação sucumbe, então, ao enraizado desejo de controlo, levado ao extremo pelo extraordinário poder das TIC.

É claro que, nos dias que correm, nenhum país ou comunidade pode sobreviver sem extensas quantidades de informação. Não falamos apenas de entidades estatais mas, também, de todo o tipo de entidades. Não é por acaso que a chamada mineração de dados é uma das áreas mais importantes dos modernos sistemas de informação, permitindo identificar gostos de utilizadores, tendências de mercado e comportamentos sociais. Neste sentido, a corrida aos dados ultrapassa em muito, em termos de importância, intensidade e valor, qualquer corrida ao ouro registada no passado.

A mineração de dados permite, por exemplo, identificar padrões e associações complexos, não visíveis quando os itens de dados são olhados individualmente. A mineração de dados permite ver muito para além dos dados, extraindo informação e gerando conhecimento, que podem ter um elevadíssimo valor financeiro, económico e social.

A extração de informação e conhecimento pode ser feita a partir de uma enorme variedade de fontes de dados, incluindo registos de vendas, textos de mensagens de correio electrónico, ficheiros áudio ou vídeo, ou registos de navegação na Web. Naturalmente, porque hoje em dia quase tudo passa pela Internet e porque esta atividade é, de uma forma ou de outra, sempre registada, é essa a principal fonte de dados.

Ao longo da história da Humanidade sempre funcionámos com base em informação. No entanto, a visão global e abrangente fornecida pela conjugação das TIC com a mineração de dados é o fator que a distingue em relação a tudo o foi feito no passado e que a torna numa arma poderosa que, como qualquer arma, pode ser utilizada para o bem e para o mal.

Muitas são as questões de privacidade e de liberdade que se levantam nesta matéria. Para além destas, que são óbvias, há um desafio menos óbvio e tantas vezes escamoteado, que não deixa de ser da máxima importância: o de não esquecer que por detrás dos dados estão as pessoas e que é para a melhoria da sua qualidade de vida e da sociedade em geral que quer os dados quer a sua mineração devem ser utilizados. Será que estaremos à altura deste desafio?