sábado, 8 de agosto de 2015

Superburocratas


A invenção do papel, há cerca de dois mil anos, foi um passo decisivo na história da humanidade ao disponibilizar um suporte prático e eficaz para o armazenamento e comunicação de informação. Durante vinte séculos a hegemonia do papel nessa matéria foi incontestada, mas a verdade é que o aparecimento e vulgarização das tecnologias da informação e comunicação (TIC) não lhe pôs um fim.

Ao afirmar-se como suporte de informação de excelência, o papel cedo se transformou no principal instrumento da burocracia, confundindo-se com ela. Para muitos, burocracia equivale a incontáveis folhas de papel, soltas, amontoadas, em dossiers, em escritórios, repartições e serviços, quer privados quer do estado. Por isso é fácil entender o entusiasmo compartido por muitos quando se aperceberam de que as TIC proporcionavam um suporte alternativo, muito mais eficaz e poderoso que o do simples papel. Nasceram assim duas das já míticas promessas não cumpridas das TIC: a dos escritórios sem papel e a do fim da burocracia.

Já se falava em escritórios sem papel há trinta anos, mas a verdade é que nunca se gastou tanto papel como agora. É claro que as TIC têm evitado que o crescimento da utilização do papel seja tão grande quanto o que se antevia, mas a verdade é que também geram muito mais necessidade de gastar papel, não só como suporte definitivo mas também como suporte temporário. Por outro lado, há especialistas que alertam para o facto de as TIC poderem vir a provocar, no médio prazo, um buraco negro nos arquivos históricos  por inexistência de sistemas operacionais capazes de lerem formatos antigos. Quantos de nós já não perdemos informação aprisionada em ficheiros que já nenhum sistema consegue ler? Para muitos - e nestes estão incluídos vários especialistas mundiais - o papel é ainda, e continuará a sê-lo por muito tempo, uma forma segura de armazenar informação. Nesta matéria , como em muitas outras, só o tempo dirá quem tem razão.

Quanto ao mito do fim da burocracia por via das TIC, nada está mais longe da verdade. É claro que se confundiu burocracia com o seu suporte - o papel - e ao crer-se que as TIC acabariam com o papel também se acreditou que a burocracia chegaria ao fim. Por isso tanto se investiu em desmaterialização e em medidas como o já quase esquecido Simplex. Só que a essência da burocracia não está no suporte e sim nos processos. Com as TIC passaram a estar disponíveis ferramentas que não só possibilitam replicar os processos que até aqui se faziam em papel, mas que permitem também torná-los muitos mais complexos (ricos, completos, diria o bom funcionário administrativo). Podem assim solicitar-se, arquivar-se e processar-se muitos mais dados, alimentar decentemente e por fim a gestão documental e sintetizar o mundo num universal sistema de controlo de processos. E, claro, há que imprimir tudo não vá o diabo tecê-las.


As TIC estarão um dia na base de uma redução do papel e da burocracia, mas só se e quando encontrarmos formas de tirar o melhor partido delas. Sem esse cuidado, as TIC são a melhor forma para criar superburocratas.