sexta-feira, 29 de julho de 2016

O fracasso da Economia


Ninguém duvida já que as tecnologias da informação e comunicação (TIC) mudaram o mundo, em especial nos últimos 20 anos. Todos os setores de atividade sofreram um profundo impacto com as TIC, que revolucionaram métodos produtivos, serviços, negócios, ciência, ensino, política, lazer e cultura, criaram novas profissões e incontáveis postos de trabalho. Tiveram, portanto, um efeito na economia dos países e na economia global.

E qual terá sido o impacto nas “ciências da economia” propriamente ditas? Será que a Economia, aqui entendida como o ramo do saber que, ao nível teórico, procura criar modelos que expliquem os fenómenos económicos e, ao nível prático, procura aplicar, confirmar ou refutar tais modelos mediante experimentação ou utilização em situações reais (que me perdoem os entendidos esta definição, mas encontrei tantas definições contraditórias que engendrei esta como a que me pareceu melhorzinha), acompanhou a revolução gerada pelas TIC? A mim parece-me claramente que não.

A título de exemplo, note-se a quantidade de críticas ao Fundo Monetário Internacional (FMI), vindas de conceituados economistas, pelas medidas agora claramente consideradas erradas que foram tomadas em recentes resgates a países europeus, medidas essas também tomadas por conceituados economistas. Mas afinal andamos a brincar com os povos de países inteiros, fazendo experiências e logo verificando que não resultaram? Se isto fosse na área médica ou na área da engenharia há muito que os responsáveis teriam perdido a licença, mas na economia tudo é diferente. É que ninguém sabe nada de nada!

Os modelos são os do princípio do século passado, 1929 mais coisa menos coisa. Só que o mundo atual não é o de 1929. As sociedades não estão isoladas, os países não estão isolados, as pessoas não vêem apenas a sua família e os conhecidos do bairro. Hoje, o que uma pessoa faz em qualquer canto do mundo pode ter impacto imediato em todo o mundo. Uma medida tomada numa empresa, numa cidade ou num pequeno país é ou pode ser conhecida imediatamente à escala planetária. E tudo isto por causa das TIC.


Talvez a conclusão de tudo isto seja a de que a Economia não existe. O que existe são as sociedades, a psicologia, as ciências sociais, as tecnologias de comunicação, as redes sociais, as pessoas, a opinião coletiva e individual, os desejos coletivos e individuais, os anseios e os receios coletivos e individuais. E para um sistema com tal complexidade, enormemente aumentada pelas TIC, não existe modelo que valha. Deste ponto de vista, a Economia fracassou.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

e-fatura


Graças às fantásticas tecnologias da informação e comunicação (TIC), já estivemos mais longe de um estado no qual deixará de ser necessário submeter a declaração anual de rendimentos. De facto, tem sido um processo gradual mas seguro.

Primeiro, começou-se por poder submeter a declaração através da Internet. Que avanço tecnológico! Os formulários em papel deixaram de ser necessários e todos ficaram maravilhados com esta (aparente) desburocratização. Pouparam-se incontáveis e inúteis horas em filas, otimizaram-se recursos humanos e materiais, houve, de facto, melhoria qualitativa.

O passo seguinte foi o do pré-preenchimento de certos campos, com dados provenientes de entidades patronais, seguradoras, entidades bancárias e serviços do Estado. Foi o início do popularmente chamado “cruzamento de dados”. É claro que quem não deve não teme, e todos agradecem o facto de certos campos da referida declaração serem preenchidos de forma automática, o que só pode ser classificado como prático.

Agora estamos a assistir a um novo passo, que é o do registo de todo o tipo de faturas. Mais uma vez, só há vantagens, a começar pelo combate à fuga ao fisco (isso sim, um flagelo a eliminar) e pelo benefício fiscal para os contribuintes. Quem vende ou presta serviços declara-os à Autoridade Tributária, que os associa ao contribuinte, num processo conhecido como e-fatura. O contribuinte, por sua vez, se for coca-bichinhos e não tiver nada mais interessante que fazer na vida, poderá dedicar-se a perder horas a fio a confirmar fatura a fatura, documento de despesa a documento de despesa, regozijando-se quando encontra uma falha, cuja resolução o levará a mais algumas horas de puro “prazer”.

Se não fosse pelas implicações necessariamente desinquietantes, seria o paraíso da burocracia, o expoente máximo do controlo processual e financeiro: um sistema no qual tudo, absolutamente tudo, fica automaticamente registado nos serviços do Estado, para efeitos fiscais, naturalmente, até ao dia em que alguém se lembre de o utilizar para mais alguma coisa como, por exemplo, a segurança do Estado de direito, a investigação criminal, ou o rigoroso cumprimento da Lei nas suas mais variadas áreas. E quem pode opor-se ao cumprimento da Lei?

De facto, já não estamos no 1984 de George Orwell. Estamos muitíssimo mais à frente e não só em termos cronológicos. Sem nos darmos conta, estamos, isso sim, a construir uma sociedade muito mais limitadora e assustadora, na qual trocamos o direito à privacidade pelo beneficiozinho fiscal e pela ilusão de usufruir das comodidades do avanço tecnológico. Na realidade, talvez esta seja uma e-fatura demasiado alta.