A invenção do papel, há cerca de dois mil anos, foi um passo decisivo na história da humanidade ao disponibilizar um suporte prático e eficaz para o armazenamento e comunicação de informação. Durante vinte séculos a hegemonia do papel nessa matéria foi incontestada, mas a verdade é que o aparecimento e vulgarização das tecnologias da informação e comunicação (TIC) não lhe pôs um fim.
Ao afirmar-se como suporte
de informação de excelência, o papel cedo se transformou no principal
instrumento da burocracia, confundindo-se com ela. Para muitos, burocracia
equivale a incontáveis folhas de papel, soltas, amontoadas, em dossiers, em
escritórios, repartições e serviços, quer privados quer do estado. Por isso é
fácil entender o entusiasmo compartido por muitos quando se aperceberam de que
as TIC proporcionavam um suporte alternativo, muito mais eficaz e poderoso que
o do simples papel. Nasceram assim duas das já míticas promessas não cumpridas
das TIC: a dos escritórios sem papel e a do fim da burocracia.
Já se falava em escritórios
sem papel há trinta anos, mas a verdade é que nunca se gastou tanto papel como
agora. É claro que as TIC têm evitado que o crescimento da utilização do papel
seja tão grande quanto o que se antevia, mas a verdade é que também geram muito
mais necessidade de gastar papel, não só como suporte definitivo mas também
como suporte temporário. Por outro lado, há especialistas que alertam para o
facto de as TIC poderem vir a provocar, no médio prazo, um buraco negro nos
arquivos históricos por inexistência de
sistemas operacionais capazes de lerem formatos antigos. Quantos de nós já não
perdemos informação aprisionada em ficheiros que já nenhum sistema consegue
ler? Para muitos - e nestes estão incluídos vários especialistas mundiais - o
papel é ainda, e continuará a sê-lo por muito tempo, uma forma segura de
armazenar informação. Nesta matéria , como em muitas outras, só o tempo dirá
quem tem razão.
Quanto ao mito do fim da
burocracia por via das TIC, nada está mais longe da verdade. É claro que se
confundiu burocracia com o seu suporte - o papel - e ao crer-se que as TIC
acabariam com o papel também se acreditou que a burocracia chegaria ao fim. Por
isso tanto se investiu em desmaterialização e em medidas como o já quase
esquecido Simplex. Só que a essência da burocracia não está no suporte e sim
nos processos. Com as TIC passaram a estar disponíveis ferramentas que não só possibilitam
replicar os processos que até aqui se faziam em papel, mas que permitem também
torná-los muitos mais complexos (ricos, completos, diria o bom funcionário
administrativo). Podem assim solicitar-se, arquivar-se e processar-se muitos
mais dados, alimentar decentemente e por fim a gestão documental e sintetizar o
mundo num universal sistema de controlo de processos. E, claro, há que imprimir
tudo não vá o diabo tecê-las.
As TIC estarão um dia na
base de uma redução do papel e da burocracia, mas só se e quando encontrarmos
formas de tirar o melhor partido delas. Sem esse cuidado, as TIC são a melhor
forma para criar superburocratas.