quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

O Estreito de Magalhães


Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 21 de Fevereiro de 2011


Apesar de nós, Portugueses, termos escrito algumas páginas da História da Humanidade, não foram raras as vezes em que o facto de não reconhecermos valor onde ele existia, ou de o reconhecermos apenas depois de outros o fazerem, nos saiu caro. Foi assim, por exemplo, com Cristóvão Colombo e voltou a sê-lo com Fernão de Magalhães, que conseguiram em Espanha o apoio que Portugal lhes negou.

Mas, afinal, o tem isto a ver com as tecnologias da informação e comunicação (TIC)? À primeira vista, muito pouco ou, mesmo, nada, a não ser que, mais uma vez, estejamos a negligenciar oportunidades e a esbanjar recursos por não darmos a devida atenção àquilo que outros já há vários anos exploram, para sua grande vantagem e proveito. Refiro-me às soluções de código aberto, na gíria designadas por soluções de open source.

Considerando que nos últimos dez anos o investimento em TIC da Administração Pública – isto é, de todos nós – ascende a vários milhares de milhões de euros, e que muito desse investimento diz respeito a software, facilmente se compreende que a adopção de soluções de código aberto, tipicamente sem custos de licenciamento, é um passo que tem de ser dado com a maior urgência e prioridade.

Atualmente existem soluções de código aberto quer para servidores quer para postos de trabalho, quer para sistemas operativos quer para aplicações de utilizador, perfeitamente estabilizadas e seguras, obedecendo a normas internacionais de abertura, portabilidade e compatibilidade.

A esmagadora maioria dos funcionários e agentes da Administração Pública – central e local – utiliza um conjunto de sistemas e aplicações perfeitamente suportáveis em postos de trabalho com sistemas operativos, aplicações de escritório e aplicações de Internet do tipo open source. Não se compreende, assim, que não exista uma política nacional de incentivo à adopção deste tipo de soluções, e que ministérios e autarquias gastem grandes quantidades de recursos financeiros em soluções de licenciamento pago quando existem soluções perfeitamente equivalentes livremente disponíveis. Seremos mais desenvolvidos ou ricos que a Alemanha, a França ou o Brasil, que há muitos anos têm políticas de adopção de soluções de código aberto? Porque se insiste em adoptar nas escolas básicas e secundárias soluções informáticas não baseadas em código aberto?

Talvez agora que outros reconhecem e incentivam a utilização deste tipo de soluções algo possa ser feito nesse sentido a nível nacional. Parece ser esse o caso com a recente aprovação na Assembleia da República, em Dezembro passado, de dois projetos de lei que vão nesse sentido. É, sem dúvida, um importante passo que, tal como o que Fernão de Magalhães deu em 1520 com a travessia do estreito batizado com o seu nome, nos poderá abrir as portas para um oceano de oportunidades, no qual seremos nós – e não o fabricante a quem comprámos o barco – a decidir que rumo tomar para atingir o nosso objectivo.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Namorar na Internet


Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 14 de Fevereiro de 2011


Os engenheiros das primeiras redes de computadores, percursoras da Internet, não sonhavam que em poucas décadas as tecnologias cujo desenvolvimento iniciaram dariam lugar a redes de comunicação à escala global, que mudariam radicalmente a forma como se cria algo, como se faz ciência, como se desenvolvem ideias e negócios, como as pessoas se divertem e como se relacionam umas como as outras. Muito longe estavam, portanto, de imaginar que no futuro as redes serviriam também para namorar.

Namorar é – entre muitas outras coisas de difícil definição – comunicar. Por isso, para os namorados a Internet veio mesmo a calhar. Pode-se agora, a qualquer momento, escrever à pessoa amada, enviar um poema, reafirmar votos de amor eterno ou, enfim, relembrar, numa simples mensagem de correio electrónico, que ela nos não sai da cabeça (talvez não seja boa ideia, no entanto, fazer declarações de amor pela Internet, pois esse tipo de coisas tem que ser feito pessoalmente).

Mas o ‘velhinho’ correio electrónico é só para os ‘cotas’, já que lhe falta o imediatismo e a dinâmica da juventude. Naturalmente, a Internet também responde às necessidades dos seus mais novos e arrojados utilizadores. Não será, afinal, muito mais simples trocar mensagens em tempo real, ouvir a voz ou então ver quem, estando distante, queríamos perto? Esperemos alguns anos – não muitos – e poderemos ter ambientes de realidade virtual a três dimensões, onde quase poderemos tocar o ser amado.

Tudo isto facilita o namoro e, portanto, só pode ser bom. É, no entanto, interessante tentar imaginar como teriam sido os grandes romances de amor se na altura em que ocorreram existisse a Internet. Será que histórias imortais como as de Píramo e Tisbe, Tristão e Isolda, Pedro e Inês, ou Romeu e Julieta, poderiam ocorrer na era da informação e comunicação, ou só o desencontro as tornou possíveis?

Nunca o saberemos. O que sabemos é que, independentemente das tecnologias, ou da ausência delas, independentemente daquilo que for o futuro da Internet, das redes sociais ou dos computadores, uma coisa é certa: tudo servirá para que as pessoas continuem a namorar. Com ou sem cartas, telegramas, telefone, fax, correio electrónico, instant messaging, voz sobre IP, videoconferência ou realidade virtual, haverá sempre uma forma de duas pessoas que querem dizer uma à outra que se amam o fazerem. Nem que seja com sinais de fumo.

Mas já que a Internet existe, já que a força universal do amor nos lembra constantemente que há coisas que não mudarão nunca, então que se aproveite aquilo que a Internet tem de bom – e que se esqueça, por um dia apenas, o que tem de mau – de modo a facilitar a vida aos que, como disse o nosso inigualável poeta Luís de Camões, sentem aquele “fogo que arde sem se ver”, aquele “contentamento descontente”, a “dor que desatina sem doer”. Ainda bem que, apesar da crise, dos infindáveis problemas, dos desgostos e das preocupações, ainda se pode namorar na Internet!

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

O olho de Hórus


Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 7 de Fevereiro de 2011


Ninguém pode ficar indiferente às convulsões que hoje assolam o Egito, país cujo passado de mais de quatro mil e quinhentos anos marca de forma indelével a cultura e história da Humanidade. São, no entanto, o presente e o futuro que preocupam, em primeiro lugar, o seu povo e, em segundo, toda a comunidade internacional.

Na luta por uma vida melhor, a palavra, a informação e a comunicação – mais do que pedras e espingardas – são armas de força extraordinária. Na sociedade global em que vivemos, uma grande parte da informação e comunicação passa pela Internet e é, precisamente, para ela que se viram os que pretendem fazer-se ouvir em todo o Mundo, quantas vezes em ato de desespero. É assim no caso do Egito.

Mas é também no Egito – tal como aconteceu já noutros países – que por estes dias se tenta silenciar a Internet. Ao fazê-lo, reconhece-se na Internet e nas tecnologias da informação e comunicação (TIC) uma força que nenhum político ou governo pode desprezar.

É sintomático ver, no meio de manifestações mais ou menos agitadas, pessoas com cartazes a reclamar acesso à Internet. Exigem, efetivamente, o acesso à palavra, o direito de poderem expressar-se, apelar a outros, informar.

No entanto, ao contrário do que acontece na maioria dos casos nos quais o poder instituído está envolvido, no caso das tentativas de impedimento de acesso à Internet a desigualdade de forças favorece o cidadão anónimo, as grandes massas, o povo. Não é possível a ninguém – governante ou não – encerrar toda a Internet. Pode-se decretar o encerramento de operadores regionais ou nacionais, mas continua a haver sempre outras formas de acesso como, por exemplo, através de redes telefónicas ou redes de satélite.

Num outro plano, mesmo em situações de ausência de conflito como, felizmente, em Portugal, é interessante verificar que as populações consideram o acesso à Internet como um bem essencial, um direito inalienável. Veja-se, por exemplo, o curioso caso de boicote às recentes eleições presidenciais na freguesia de Gralheira, Cinfães, cujos eleitores reclamavam melhores condições de acesso à Internet. Veja-se, ainda, a atenção que o acesso e utilização de TIC têm merecido – bem, diga-se de passagem – de governantes e políticos nacionais.

A Internet é, portanto, muito mais do que um conjunto de tecnologias, usadas para trabalho ou para lazer. É, também, muito mais do que um importante instrumento para dinamização da economia. A Internet afirma-se, cada vez mais, como um bem essencial e, mais ainda, como o garante de direitos tão fundamentais como a liberdade de expressão ou o direito à informação. A Internet é um instrumento que a todos dá uma voz que pode ser ouvida em todo o Mundo e que, por isso, protege os oprimidos.

É este o papel que, atualmente, a Internet desempenha no Egito, tal como o foi, durante milénios, o papel do olho de Hórus na sua rica mitologia: o de poderoso protetor desta imortal nação.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

A tromba de água


Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 31 de Janeiro de 2011


A propósito do recente caso com o Cartão do Cidadão no dia das eleições presidenciais, que impediu que um número indeterminado de eleitores exercessem o seu direito de voto, disse no Parlamento o Diretor Geral da Administração Interna – ao mesmo tempo que alertava para o facto de não ser informático – que “estávamos preparados para uma chuva intensa e o que tivemos foi uma tromba de água”.

De um ponto de vista técnico – aquele que nos interessa nesta análise – não será preciso ser grande especialista informático para perceber que a causa imediata do problema foi um forte congestionamento do sistema, por esgotamento da capacidade das linhas de comunicação, do servidor que processa os pedidos, ou de ambos. A afirmação do supracitado responsável traduz, assim, com alguma propriedade, o que se passou.

A análise estará, no entanto, muito incompleta se se ficar por aqui. Não nos podemos, nem devemos, esquecer de que o Cartão do Cidadão é a face visível de um projeto de modernização administrativa de grande envergadura, reconhecidamente estratégico, sobre o qual se construíram e se continuam a construir incontáveis medidas Simplex, cujo elevado custo global deveria ser, como em qualquer projeto, compensado pelos benefícios que daí advêm.

Importa, por isso, avaliar até que ponto foram seguidas as boas práticas de Engenharia (de sistemas de informação) na concepção e implementação não só dos sistemas associados ao Cartão do Cidadão mas, também, e já agora, na concepção e implementação de um grande número de outros projetos de modernização e simplificação administrativas que insistentemente se anunciam nos meios de comunicação social.

Deve, assim, perguntar-se: que levantamento de necessidades foi feito? Foram considerados todos os tipos de utilizadores e utilizações? Até onde foi levada a análise de requisitos? Que alternativas foram consideradas? Que opções de projeto foram tomadas e porquê? Que especificações foram desenvolvidas e de que forma respondem aos requisitos? Qual a arquitetura dos sistemas de informação que estão subjacentes ao cartão? Qual o impacto sobre os sistemas existentes? Como é que esses sistemas foram dimensionados? Que testes de funcionalidade e testes de carga foram efectuados? De que forma foram acauteladas as necessidades de crescimento e de atualização? Que mecanismos de contingência foram previstos e/ou existem? Qual o impacto sobre os utilizadores?

Estas são as questões que devem ser contempladas no projeto de engenharia de qualquer sistema informático, seja ele do Estado ou não, mas, naturalmente, com muito mais rigor num sistema estatal. Só considerando todos os aspectos decorrentes destas questões é que se podem construir sistemas úteis, coerentes e robustos, sobre os quais possam assentar todas e quaisquer medidas de reorganização e modernização. Se isso for feito as ‘trombas de água’ passarão sempre ao lado.