terça-feira, 31 de maio de 2011

A outra face


Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 30 de Maio de 2011


Apesar de a Internet ter sido criada há pouco mais de quatro décadas, podem distinguir-se já diferenças fundamentais entre sucessivas gerações dos seus utilizadores, que refletem a própria evolução desta rede.

Não contando com os seus desenvolvedores, os primeiros utilizadores da Internet eram, quase exclusivamente, membros de universidades e institutos de investigação. Em Portugal essa fase ocorreu há cerca de vinte anos, tendo a Internet – em particular, o correio electrónico – sido um vital instrumento de comunicação entre universitários.

No entanto, as primeiras utilizações alargadas do correio electrónico rapidamente ensinaram aos universitários que a pior forma de discutir questões entre duas ou mais pessoas era através da Internet. Sem se ouvirem de viva voz, muitas frases eram mal interpretadas, assumindo-se um sentido e intenção que não tinham. Sem se verem, as pessoas facilmente faziam acusações que não fariam se estivessem frente a frente. Sendo muito útil para comunicação factual, mais ou menos formal, a Internet era, afinal, um instrumento muito pouco social.

Para a chamada Geração Z – a geração das pessoas nascidas entre 1990 e 2000 – o panorama foi e é muito diferente, já que nasceram e cresceram com a massificação da Internet e das suas mais marcantes aplicações, como sejam a World Wide Web, o instant messaging e, mais recentemente, as redes sociais. Para estas pessoas, a Internet é uma das principais formas de interação social, estando de tal modo enraizada que o simples facto de a rede estar momentaneamente inacessível pode causar-lhes ansiedade, insegurança e stress.

Neste contexto, a utilização da Internet e das redes sociais para a política e pelos políticos está generalizada. Sendo a Internet um poderoso instrumento de comunicação e, por conseguinte, um excelente veículo de ideias e opiniões, a sua utilização na política é lógica e perfeitamente natural, constituindo uma das mais eficazes formas de chegar aos cidadãos.

Por outro lado, a utilização das redes sociais na atividade política confere a esta última um carácter bidirecional para o qual nem todos estão preparados. Se os políticos podem facilmente chegar aos cidadãos, o reverso da medalha também se verifica: os cidadãos podem mais facilmente chegar aos políticos e figuras públicas, expressando a sua opinião, questionando-os e criticando-os, justa ou injustamente, pacifica ou agressivamente, correta ou incorretamente.

É esta a outra face das redes sociais, por vezes menos agradável, mas fazendo parte integrante da sua essência. É esta outra face que desequilibra forças e altera as regras de sociabilização ditadas por milhões de anos de evolução da raça humana, baseadas na interação real e não virtual. É esta outra face que representa um enorme desafio para todos nós: o de utilizarmos as redes sociais de forma construtiva e com sentido de responsabilidade, privilegiando o respeito pela diferença e pelo próximo.

terça-feira, 24 de maio de 2011

A nova geração


Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 23 de Maio de 2011


Vivemos numa sociedade cada vez mais ligada às tecnologias da informação e comunicação (TIC), na qual muitos termos e expressões técnicos são de uso vulgarizado, assimilados já pela linguagem corrente. Apesar disso, não são poucas as pessoas que desconhecem o verdadeiro significado de vários deles e não são raros os casos em que a sua utilização é incorreta.

Peguemos no exemplo da expressão “redes de nova geração”, conhecida e usada por todos e com base na qual se definem, até, iniciativas, programas de financiamento, políticas e tantos outros instrumentos de governação de TIC.

Afinal o que são as tão badaladas redes de nova geração? De um ponto de vista técnico, a expressão é vaga e, portanto, imprecisa. Será que se pretende designar as redes que utilizam fibras ópticas, cujo conceito foi demonstrado pela primeira vez há cerca de 170 anos, na década de 1840? Ou refere-se, por outro lado, às modernas redes sem fios, que utilizam transmissão rádio, cujo princípio foi estudado e desenvolvido desde 1820 até ao final desse século por ilustres cientistas, dos quais se destaca Heinrich Hertz?

Talvez a característica determinante dessas redes seja a velocidade de transmissão – mais corretamente designada por débito binário – que deverá ser da ordem das dezenas ou centenas de megabits por segundo? Mas redes com estes e maiores débitos já existem desde 1990, ou seja, há mais de vinte anos. Será que são redes de “banda larga”? Ooops! Esqueço-me que a expressão “banda larga” é ainda mais imprecisa do que a que pretendemos definir!

Decerto que as redes de nova geração serão aquelas que permitem um acesso rápido à Internet e aos serviços que ela suporta. Mas quantas e quão variadas são tecnologias já o permitem há várias décadas?

Pois, de facto, a expressão “redes de nova geração” pouco ou nada diz. Não especifica meios físicos de transmissão, não estabelece débitos binários, não garante capacidade de comutação, não impõe tecnologias, não determina protocolos a utilizar, não assegura a qualidade dos serviços.

Na realidade, todas as gerações de redes são novas quando comparadas com as que as antecederam, pelo que o conceito de redes de nova geração é meramente transitório, não tendo um significado absoluto. A rede telefónica foi, à altura do seu aparecimento, revolucionária. O mesmo sucedeu com as redes de dados, as redes de serviços integrados, a rede Arpanet, as redes móveis e redes sem fios e, por fim, a Internet como rede universal e única.

Talvez a expressão “redes de nova geração” seja, afinal e apenas, um instrumento de marketing destinado a atrair a atenção de clientes, um chamariz para quem gosta de novidades pela novidade, um indicador de realização para quem precisa de mostrar que realiza. Tudo o que é novo chama a atenção e dinamiza negócios e mercados. Sendo isso positivo, também tem o seu lado negativo, já que é esse o princípio que está na base do consumismo que todos temos agora que pagar.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Amor e ódio


Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 16 de Maio de 2011


São muitas as ideias erradas e os preconceitos acerca do que são e de como devem ser as relações entre a Universidade e a sociedade envolvente, com especial ênfase na relação com empresas, mas não excluindo outras entidades, públicas ou privadas.

Os mais distraídos ou menos informados ainda acreditarão no mito da torre de marfim, imaginando uma Universidade acantonada, fechada sobre si própria, olhando para o passado, agarrando-se ao conhecimento bafioso e livresco, com medo do mundo real e das empresas.

Alheado e distante do mundo que o rodeia está quem assim pensa, já que a realidade atual é muito diferente. A interação entre Universidade e empresas é, hoje em dia, uma vital fonte de receita para a primeira e uma importante fonte de conhecimento, tecnologia e know-how para as segundas. Dessa interação resultam novos desafios, inovação e considerável benefício mútuo.

Não obstante o bom nível de interação que já existe, é ainda necessário um diálogo mais intenso entre Universidade e empresas. Por comparação com outros países da Europa, pode dizer-se que, em Portugal, a percentagem de empresas que interagem com a Universidade é relativamente baixa, embora tenha crescido bastante nos últimos anos.

No entanto, sendo desejável, a relação entre Universidade e empresas só é viável se as naturais diferenças entre ambos os parceiros forem reconhecidas e aceites à partida. Se, por um lado, é um erro conceber a Universidade como uma entidade fechada sobre si mesma, por outro é um erro quase tão grande pensar que ela deve chamar a si o papel que só pode ser desempenhado eficazmente pelas empresas.

Universidade e empresas têm missões diferentes mas complementares. A da Universidade é centrada na investigação, na geração de conhecimento, na formação avançada. A das empresas é centrada na aplicação do conhecimento e da tecnologia, no fabrico de produtos acabados, na comercialização de produtos e serviços.

Naturalmente que não significa isto que não possam, em certos casos, as empresas fazer investigação e a Universidade fazer desenvolvimentos e prestar serviços. Muito pelo contrário, é até desejável que o façam, pois daí decorre, no mínimo, uma visão mais abrangente e enriquecedora para cada um. Uma Universidade que forma quadros superiores para o mercado de trabalho não pode ignorar a missão das empresas nem alhear-se delas. Por outro lado, uma empresa dinâmica, que queira enfrentar os desafios atuais e futuros, não pode dar-se ao luxo de desperdiçar os saberes e a inovação característicos, mas não exclusivos, da Universidade.

Diferença e complementaridade parecem, assim, ser a chave do sucesso das relações entre Universidade e empresas, que se fortalecem mutuamente quando interagem e cooperam. É claro que essas relações nem sempre têm sido fáceis, umas vezes de amor, outras de ódio. Mas, mais frequentemente do que se julga, é de amor e ódio que se fazem as coisas importantes da vida.

terça-feira, 10 de maio de 2011

Enlatados


Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 9 de Maio de 2011


Vivemos numa sociedade em que quase tudo depende das tecnologias da informação e comunicação (TIC). Seria, portanto, inaceitável que as escolas não preparassem os jovens para a vida num mundo tecnológico, onde as TIC são um elemento indispensável para o progresso, a produtividade e a competitividade. É por esta razão que, por todo o País, surgem escolas modernas, equipadas com redes internas, acesso à Internet, computadores nas salas de aula e quadros interativos. Se existem razões de queixa, elas não são, certamente, decorrentes da falta de tecnologia.

Neste contexto de modernização, entusiasmado com tanta abundância de meios informáticos, decidiu um competente professor de uma escola secundária acompanhar as tendências já seguidas por muitos dos seus colegas e passar a dar as suas aulas com recurso a diapositivos. Tudo ficaria muito mais fácil dessa forma: a preparação das matérias seria facilitada, pois recebera da editora do livro adoptado variados conjuntos de diapositivos “pedagógicos”; as aulas decorreriam de uma forma mais controlada, pois não mais “perderia o fio à meada”; os alunos passariam a dispor de bons materiais de estudo.

Ofuscado pela tecnologia, só percebeu que estava completamente errado no dia em que uma avaria do projetor o impediu de dar a aula como planeado e teve que recorrer ao método que sempre tinha utilizado: construir a aula passo-a-passo, usando como ferramentas os seus conhecimentos, competência e traquejo. Nesse dia os alunos reencontraram o excelente professor que julgavam perdido e pediram-lhe que não voltasse a usar diapositivos. Nesse dia o professor recuperou os seus alunos.

Ninguém pode negar a importância das TIC como ferramenta de trabalho na escola, mas não nos devemos esquecer que o mais importante no ensino não são as tecnologias, mas sim as pessoas, em particular os docentes e os alunos. Numa escola viva todos precisam de aprender. Os primeiros necessitam de formação para poderem tirar partido das tecnologias, de modo a optimizar aquilo que melhor sabem fazer: ensinar. Essa formação também lhes pode mostrar quando é mais eficaz não usarem as tecnologias e recorrerem, simplesmente, à ferramenta base: o cérebro. Os segundos precisam de que lhes seja estimulado o espírito crítico, a curiosidade científica, a capacidade de raciocínio e de resolver problemas novos, o gosto pela exploração.

Nos dias de hoje moderniza-se a escola. Criam-se condições materiais. Em paralelo, há que modernizar o ensino, para que seja cada vez mais dinâmico, mais estimulante, mais apelativo para os jovens, que os leve a pensar e a explorar o mundo que os rodeia e no qual se inserem. Infelizmente, em demasiados casos se recorre às TIC para tornar o ensino mais desinteressante, como no referido caso das aulas com base em diapositivos. Em demasiados casos o ensino que temos está para o ensino de que precisamos como os enlatados para a comida fresca.