terça-feira, 10 de maio de 2011

Enlatados


Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 9 de Maio de 2011


Vivemos numa sociedade em que quase tudo depende das tecnologias da informação e comunicação (TIC). Seria, portanto, inaceitável que as escolas não preparassem os jovens para a vida num mundo tecnológico, onde as TIC são um elemento indispensável para o progresso, a produtividade e a competitividade. É por esta razão que, por todo o País, surgem escolas modernas, equipadas com redes internas, acesso à Internet, computadores nas salas de aula e quadros interativos. Se existem razões de queixa, elas não são, certamente, decorrentes da falta de tecnologia.

Neste contexto de modernização, entusiasmado com tanta abundância de meios informáticos, decidiu um competente professor de uma escola secundária acompanhar as tendências já seguidas por muitos dos seus colegas e passar a dar as suas aulas com recurso a diapositivos. Tudo ficaria muito mais fácil dessa forma: a preparação das matérias seria facilitada, pois recebera da editora do livro adoptado variados conjuntos de diapositivos “pedagógicos”; as aulas decorreriam de uma forma mais controlada, pois não mais “perderia o fio à meada”; os alunos passariam a dispor de bons materiais de estudo.

Ofuscado pela tecnologia, só percebeu que estava completamente errado no dia em que uma avaria do projetor o impediu de dar a aula como planeado e teve que recorrer ao método que sempre tinha utilizado: construir a aula passo-a-passo, usando como ferramentas os seus conhecimentos, competência e traquejo. Nesse dia os alunos reencontraram o excelente professor que julgavam perdido e pediram-lhe que não voltasse a usar diapositivos. Nesse dia o professor recuperou os seus alunos.

Ninguém pode negar a importância das TIC como ferramenta de trabalho na escola, mas não nos devemos esquecer que o mais importante no ensino não são as tecnologias, mas sim as pessoas, em particular os docentes e os alunos. Numa escola viva todos precisam de aprender. Os primeiros necessitam de formação para poderem tirar partido das tecnologias, de modo a optimizar aquilo que melhor sabem fazer: ensinar. Essa formação também lhes pode mostrar quando é mais eficaz não usarem as tecnologias e recorrerem, simplesmente, à ferramenta base: o cérebro. Os segundos precisam de que lhes seja estimulado o espírito crítico, a curiosidade científica, a capacidade de raciocínio e de resolver problemas novos, o gosto pela exploração.

Nos dias de hoje moderniza-se a escola. Criam-se condições materiais. Em paralelo, há que modernizar o ensino, para que seja cada vez mais dinâmico, mais estimulante, mais apelativo para os jovens, que os leve a pensar e a explorar o mundo que os rodeia e no qual se inserem. Infelizmente, em demasiados casos se recorre às TIC para tornar o ensino mais desinteressante, como no referido caso das aulas com base em diapositivos. Em demasiados casos o ensino que temos está para o ensino de que precisamos como os enlatados para a comida fresca.

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