quinta-feira, 6 de outubro de 2011

A praia digital


Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 3 de Outubro de 2011




Por onde quer que passemos e o que quer que façamos, deixamos sempre marcas. Por vezes queremos que perdurem, para que outros reconheçam o que fizemos. Outras vezes, queremos que sejam as menores possíveis, como no caso da pegada ecológica. Também quando usamos as tecnologias da informação e comunicação (TIC) deixamos uma pegada digital, que outros poderão seguir e utilizar para fins – meritórios ou não – que a maior parte das pessoas desconhece.

Sempre que utilizamos uma infraestrutura de comunicações – seja ela a Internet, uma rede de comunicações móveis ou uma rede privada – são gerados registos que identificam a origem e o destino da comunicação, a data e hora, a quantidade de tráfego gerado, os protocolos utilizados. São registos necessários ao funcionamento e gestão da infraestrutura, que permitem, por exemplo, a taxação, mas também, a intercepção legal de comunicações.

Também a utilização de todo o tipo de aplicações Web – como sejam a utilização de serviços de web mail, das redes sociais, de compras on-line, de jogos ou, simplesmente, de web browsing – deixa ‘pegadas profundas’ já que, para além dos já referidos dados de utilização da infraestrutura de comunicações, os servidores e serviços de aplicação guardam todo um manancial de informação sobre quem os utiliza, que podem incluir dados pessoais, preferências manifestadas ou implícitas, padrões de utilização, registo de compras, registos de páginas mais visitadas e contactos com outros utilizadores. Parece, no entanto, que a maior parte dos utilizadores consente essa recolha de informação, ao contrário do que se passaria se tal recolha fosse feita não por meios automáticos mas sim de forma presencial.

É certo que muitos dos dados deixados pela utilização das TIC podem ser utilizados para benefício de todos, como no caso da interpretação de dados de mobilidade urbana – assumindo que os dispositivos móveis dos utilizadores têm um sistema de posicionamento e os utilizadores autorizam a utilização desses dados – ou, como é evidente, no caso da prevenção e combate de atividades criminosas e/ou terroristas.

As questões que se levantam a essa utilização são, no entanto, muitas, sendo muito ténue a linha que separa a legalidade da ilegalidade. Existe uma clara diferença entre utilização de dados consentida e não consentida. Mesmo que privacidade e legalidade sejam garantidas, falhas humanas podem levar a que dados confidenciais sejam inadvertidamente divulgados. Neste caso, os riscos das TIC são, claramente, o preço a pagar pelas suas vantagens.

O nosso rastro digital é semelhante a pegadas na areia de uma praia. Por vezes, sobrepõem-se pegadas de outras pessoas, tornando-as indiscerníveis. Outras vezes, o mar encarrega-se de apagar as que dele se encontram mais perto. Mas, ainda que se queira, é extremamente difícil apagar todas as marcas que deixamos desde que entramos na praia até que saímos. Também é assim a praia digital.

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