terça-feira, 22 de novembro de 2011

Divórcio litigioso





Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 21 de Novembro de 2011


O que têm em comum a tecnologia, a política e o futebol? À primeira vista, pouca coisa mas, pensando bem, os três interessam a um grande número de pessoas, movimentam grandes meios e, consequentemente, têm o poder de moldar uma boa parte da nossa sociedade.

Idealmente, as coincidências deveriam terminar aí, mas todos sabemos que não é assim. Se entre a política e o futebol existe já um consenso na sociedade em geral de que deve haver uma grande independência, já entre tecnologias e política as dependências têm sido exploradas muito para além do desejável.

É certo que as tecnologias em geral e, dentro destas, as de informação e comunicação (TIC) mudaram e continuarão a mudar a nossa civilização e, por conseguinte, têm que ser alvo de atenção do poder político, na medida em que têm impacto no desenvolvimento económico e social, no ensino e investigação e, ainda, nas liberdades e garantias dos povos. Por isso, não devem a política e a ciência/tecnologia estar de costas voltadas. Seria absurdo que tal acontecesse, num mundo cada vez mais tecnológico, cada vez mais influenciado pela informação e pelo conhecimento.

Mas por muito que a ciência e a tecnologia condicionem a nossa vida, não pode a política ser sua refém. Significa isto que a política não pode ser inteiramente ditada por nem subjugada à ciência e à tecnologia. Significa isto, ainda, que não devem os cientistas nem os engenheiros, enquanto profissionais, ditarem as políticas. Significa isto, por fim, que não devem os políticos orientar as suas políticas exclusivamente para a ciência e a tecnologia, estabelecendo estas últimas como um fim em si mesmas. Tal seria não ver o principal porque só se olha para o acessório. Tal seria esquecer as pessoas em favor dos sistemas, que existem, exclusivamente, para lhes dar apoio.

Mas se é certo que a política não deve ser refém da ciência e da tecnologia, não é menos certo que a ciência e a tecnologia não devem ser reféns da política. Não deve a política definir as linhas nem os limites para a atividade científica e tecnológica, estabelecendo entraves à curiosidade intelectual e ao engenho. Não devem os financiamentos para a ciência e a tecnologia ser exclusivamente ditados por razões políticas, sob pena de reduzir a ciência e a inovação ao meramente planeado e previsível, o que, em si, é um contrassenso. Não deve a política “apoderar-se” da ciência e da tecnologia – e, muito menos, dos seus agentes – encarando-as como uma ferramenta que existe para servir os seus fins. Nesta matéria como, aliás, em todas as outras, não pode haver ditadura.

A chave do sucesso está, assim, no respeito mútuo, na interação saudável e, sobretudo, na independência decisória. E se se pode dizer, em face da experiência recente, que um casamento por conveniência entre política e tecnologia é manifestamente indesejável, muitos concordarão que a nossa sociedade não se pode agora dar ao luxo de um divórcio litigioso.

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