quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

O lado complexo do Simplex

Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 13 de Novembro de 2009

Nos últimos anos temos sido bombardeados com um novo conceito: o Simplex. A força do neologismo parece funcionar como panaceia para muitos dos males da Administração Pública e não só (fala-se já de Simplex para a Ciência). Concentremo-nos no Simplex Autárquico e tentemos analisar objectivamente em que consiste.

A visão estratégica integrada subjacente ao programa Simplex Autárquico é adequada, compreendendo a optimização do funcionamento interno dos serviços municipais, a melhoria da qualidade dos serviços prestados aos munícipes, a promoção de uma melhor interacção entre diferentes administrações públicas e, ainda, a melhoria da transparência das actividades das autarquias.

Infelizmente, definir uma visão estratégica é apenas o primeiro passo para atingir objectivos, faltando, depois, a concretização que os permite alcançar.

As quase trezentas medidas definidas no programa de 2009/2010 do Simplex Autárquico têm naturezas distintas, dependendo da sua abrangência. As medidas inter-sectorias e inter-municipais são, de uma maneira geral, uma lista de funcionalidade desejáveis, umas em fase de levantamento de requisitos, outras em fase de projecto piloto e, a maioria, muito longe de uma concretização devido à sua complexidade. Deste ponto de vista, poder-se-ia dizer que o Simplex é, afinal, Complex, não porque pretenda complicar processos mas porque a sua efectiva implementação no terreno está longe de ser trivial. Quanto às mais de duas centenas e meia de medidas municipais são, salvo raras excepções, medidas desgarradas, pontuais, não integradas numa visão global de sistema de informação autárquico que, no imediato, exploram potencialidades isoladas das tecnologias de informação e comunicação, mas não resolvem problemas de fundo.

Nota-se, claramente, que a preocupação de muitos intervenientes no Simplex é a de mostrar que ‘há coisas a mexer’, essencialmente recorrendo à intensiva disponibilização de informação on-line, através de portais municipais que, na maioria dos casos, estão já sobrecarregados com informação.

Em termos de medidas a tomar, tem que começar-se por medidas infra-estruturais e de reorganização. Estas são as mais difíceis de implementar, por vários factores: exigem uma análise cuidada, alteram hábitos e processos, têm impacto nos sistemas de informação e, sobretudo, não são visíveis no imediato (o que dá a sensação errada de que nada está a ser feito ou de que o que foi feito para nada serve). Uma lista de muito alto nível poderia ser a seguinte:

  • Linha de acção 1 – reengenharia de processos
  • Linha de acção 2 – definição de uma arquitectura para sistemas de informação autárquicos
  • Linha de acção 3 – reformulação e racionalização de infra-estruturas e serviços de TIC
  • Linha de acção 4 – definição e instalação de aplicativos
  • Linha de acção 5 – disponibilização de serviços e informação on-line

Note-se que, actualmente, na maioria dos casos as medidas tomadas se encaixam na linha de acção 5, ficando as restantes – que a deveriam preceder - completamente a descoberto. Simplificar processos não pode ser sinónimo de ‘superficializar’ processos. Exige trabalho sério e medidas de fundo que, por um lado, simplifiquem a interface com o utilizador e, por outro, optimizem processos que, muitas vezes, são de complexidade inevitável.

Dado o seu papel estruturante e a sua vocação para a realização e coordenação de projectos abrangentes de natureza intra e inter-municipal, as Regiões Digitais poderão desempenhar um papel significativo em todo este processo.



Fernando P. L. Boavida Fernandes
Professor Catedrático da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra
Presidente do Conselho de Administração da Associação Coimbra Região Digital