quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

A Cidade e as Serras Digitais

Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 5 de Setembro de 2009


É relativamente frequente ouvir ou ler aqui e ali notícias sobre grandes infra-estruturas de comunicação de dados a instalar em cidades e regiões do nosso Pais. Muitas vezes, a notícia é a quantidade de quilómetros de fibra óptica a instalar ou, ainda, as grandes velocidades e volume de dados que essas verdadeiras ‘auto-estradas’ permitirão. Naturalmente, o leitor menos ligado a estas complicadas questões tecnológicas fica um pouco ‘embriagado’ com tanta Civilização, bem à maneira de Jacinto e de José Fernandes de “A Cidade e as Serras”, do nosso inigualável Eça de Queiroz.

Também muitas vezes – tantas quantas as vezes com que me deparo com essas notícias – me pergunto qual o nível de utilização dessas formidáveis e caras infra-estruturas de TIC (tecnologias de informação e comunicação), onde estão os enormes volumes de dados e conteúdos que as justificam e, por fim, se caberá às regiões digitais o ónus de as concretizar. No fundo a pergunta que faço é se, em termos digitais, queremos a ‘cidade’ pela ‘cidade’ ou se não seria preferível melhorar as ‘serras’ de forma sustentada e harmoniosa.

Naturalmente que a Associação Coimbra Região Digital (ACRD) tem ambições, planos e projectos na área das infra-estruturas de rede. No entanto, o bem português ‘salto no escuro com medo de ficar para trás’ não deve ser desculpa para que não se faça o que deve ser feito: analisar requisitos reais e concretos, tomar decisões sustentadas e planear acções.

Em matéria de infra-estruturas de rede, as regiões digitais deverão funcionar como aconselhadoras e promotoras de soluções, replicando casos de sucesso, validando opções e nivelando desigualdades tecnológicas entre sub-regiões, promovendo, assim, um desenvolvimento solidário. Quais são, então os projectos de infra-estruturas de TIC que fazem sentido e que, portanto, devem ser considerados? Em tão pouco espaço é difícil falar de todos. Destacam-se, no entanto, os seguintes:

• Infra-estruturas de comunicações municipais –sub-projectos no âmbito de cada município, tendo em vista a interligação de edifícios e instalações municipais, nomeadamente de edifícios camarários, juntas de freguesia e, eventualmente, escolas. O objectivo deve ser o de dotar os municípios com meios eficazes de comunicação interna, sempre que ainda não existam, contribuindo de forma eficaz para a melhoria da conectividade interna e do funcionamento dos serviços, e dando resposta a necessidades prementes, já hoje sentidas.

• Infra-estruturas de salvaguarda de dados (back-up e disaster recovery) – Reforço de infra-estruturas regionais de processamento e armazenamento, de forma a que estas possam operar como infra-estruturas de salvaguarda remota de dados dos sistemas municipais existentes. Os benefícios para os municípios são claros, pois podem reduzir custos em termos de soluções de back-up e maximizam a segurança dos dados, através de diversidade geográfica.

• Pontos de acesso sem fios – Aumento do número de pontos de acesso sem fios nos diversos municípios, estendendo a rede já existente. Este aumento traduz-se em benefícios imediatos para a população e visitantes.

• Espaços Internet autárquicos – Reforço dos meios informáticos e do número de espaços para acesso à Internet disponibilizados pelas autarquias. Poder-se-ão estender a juntas de freguesia e a diversos edifícios municipais.

• Projectos de apoio à Internet nas escolas – Apoio às autarquias, no sentido de projectar/disponibilizar/reforçar meios de acesso à Internet nas escolas, complementarmente a outros programas já existentes. Estes projectos terão em vista uma racionalização de meios e redução de custos para as autarquias, estudando as soluções caso-a-caso.

Trata-se de um pequeno leque de projectos que se caracteriza, no entanto, pela exequibilidade e utilidade. Naturalmente que, em termos de infra-estruturas, se poderia ir muito além, mas não deixa de ser verdade que estes ‘pequenos passos’ poderão contribuir de forma decisiva para uma mais verdadeira região digital de Coimbra e evitar “amarguradas ilusões e falsas delícias”.



Fernando P. L. Boavida Fernandes
Professor Catedrático da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra
Presidente do Conselho de Administração da Associação Coimbra Região Digital

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