quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Conserto de Ano Novo

Artigo de opinião a publicar no diário ‘As Beiras’
em 4 de Janeiro de 2010


Julgará o leitor mais atento que existe um erro ortográfico no título, pois onde está ‘Conserto’ deveria estar ‘Concerto’. No que toca o e-Government local vejamos, no entanto, algumas razões para consertar (arranjar, reparar) alguns dos problemas que o afectam.

Nos últimos anos tem-se registado uma clara mudança, no sentido positivo, no estado de desenvolvimento do e-Government local. A mudança maior é, em meu entender, a mudança de atitude dos decisores e demais agentes da Administração Local, que tem levado a uma forte consciencialização da necessidade de optimizar processos e de prestar serviços aos cidadãos com a maior qualidade possível.

Paradoxalmente, essa maior consciencialização tem levado, em muitos casos, a uma ânsia de maximizar as medidas imediatistas e visíveis, em detrimento de medidas de fundo que levem a uma eficaz reestruturação e modernização. Neste contexto, são implementadas no terreno muitas medidas desgarradas que, a prazo, vão piorar a situação, dado que aumentam o número e complexidade de sistemas e não potenciam a adopção de soluções globais integradas.

Existe, assim, muito trabalho a fazer, que se poderá agrupar em três grandes áreas: infra-estruturas de TIC; sistemas de informação e aplicações; conteúdos e serviços on-line.

As actuais infra-estruturas estão, em geral, mal dimensionadas, deficientemente geridas e razoavelmente inseguras. Nesta vertente há uma claríssima necessidade de definição de uma arquitectura de referência e de recomendações em termos de tipos de soluções a implementar.

O desafio maior é, porventura, na área dos sistemas de informação. Actualmente, a maior parte das autarquias utiliza uma variedade de sistemas de informação parciais, cada um para a sua área ou sector, que não comunicam entre si. Isto leva a todo o tipo de ineficiências, prejudicando fortemente o desempenho e constituindo o maior obstáculo à disponibilização de serviços on-line. A integração dos diversos sistemas de informação parciais é, assim, uma prioridade.

É na área dos conteúdos e serviços on-line que têm ocorrido os maiores desenvolvimentos, especialmente na vertente de conteúdos. Apesar disso, ainda há bastante trabalho a fazer, em particular na selecção e garantia de qualidade dos conteúdos e, sobretudo, no aumento do número de serviços on-line. A este respeito, há que não esquecer que conteúdos em excesso são, por vezes, mais prejudiciais do que benéficos, pois dificultam o acesso à informação verdadeiramente útil. Por outro lado, idealmente, todo e qualquer serviço prestado de forma presencial deveria também poder ser prestado on-line, o que ainda está longe de acontecer.

De notar que muito do trabalho a realizar nas áreas dos sistemas de informação e das infra-estruturas exige meios humanos e financeiros consideráveis e não é, de imediato, visível para o exterior. Tem, por isso, sido evitado pelo poder local. Uma forma de resolver este problema será lançar programas/projectos específicos para o efeito, cujo sucesso não seja medido pela concretização de um número mais ou menos elevado de medidas visíveis para o utilizador, mas sim pela efectiva e quantificada melhoria de sistemas e infra-estruturas. Infelizmente, as actuais iniciativas e modelos de financiamento não têm direccionado o desenvolvimento para estas áreas fundamentais o que, em muitos casos, dificulta seriamente o desempenho, o fornecimento de serviços e a disponibilização de conteúdos. Se tal tivesse acontecido, estaríamos agora a falar de Concertos de Ano Novo e não de um tão necessário Conserto para o Ano de 2010.


Fernando P. L. Boavida Fernandes
Professor Catedrático da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra
Presidente do Conselho de Administração da Associação Coimbra Região Digital