terça-feira, 6 de julho de 2010

A superioridade do erro


Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 29 de Junho de 2010


Todos nós já ficámos, uma ou outra vez, espantados com o que os computadores fazem, de tal forma que muitas vezes nos esquecemos de que são apenas máquinas. Por outro lado, espanto e admiração levam, frequentemente, à desconfiança e, não raramente, a afirmações contraditórias como “se está no computador é porque é certo” ou “deve tratar-se de um erro de computador”. Curiosamente, nenhuma destas afirmações é correcta já que, por um lado, os computadores são falíveis e, por outro, nunca se enganam. Será isto uma contradição? De facto, parece, mas está longe de o ser.

A falibilidade dos computadores resulta quer de avarias de hardware (as componentes ou circuitos electrónicos de que são feitos) quer de erros de software (os programas que por eles são executados). As falhas dos computadores são, de facto, bastante frequentes, podendo levar à sua completa inoperacionalidade.

Mas se os computadores falham, porque é que é incorrecto dizer que se enganam? Simplesmente porque os computadores não raciocinam, ou seja, não pensam, não são inteligentes. Apesar de poderem executar tarefas extremamente complexas, essa execução é ditada, directa ou indirectamente, por quem desenvolveu os programas em execução. E essa execução é cega, repetitiva, previamente pensada e determinada, obedecendo à lógica, seja ela perfeita ou imperfeita, do ou dos autores dos programas. Havendo erros – que os há frequentemente – não são do computador, mas sim das pessoas que determinaram o que a máquina deve fazer e como.

O engano e o erro são, de facto, prerrogativas da inteligência. E sendo certo que não existe uma definição consensual de inteligência, não é menos certo que ela é muito mais do que simples lógica, armazenamento e análise de dados ou representação de conhecimento, passando por criação e comunicação de ideias, consciência, capacidade de reflexão, capacidade sensorial, entre muitos outros aspectos.

Por muito que a chamada inteligência artificial tenha evoluído – apesar das sucessivas promessas falhadas que levaram a um certo descrédito desta disciplina na década de 1990 – e por muito que venha a evoluir, nunca será capaz de efectivamente criar e substituir a verdadeira inteligência e, por isso, nunca será possível que um computador cometa um engano genuíno. Poder-se-ão criar ‘enganos artificiais’, poder-se-á imitar – sob comando último de quem concebeu o software – aquele “engano da alma, ledo e cego”, mas tal não passará de uma ilusão, qual truque de prestidigitador.

Afinal, já há mais de dois mil anos que os romanos perceberam que ‘errare humanum est’. Talvez este ditado milenar, que muitas vezes invocamos quase sem pensar, nos faça reflectir um pouco e nos ensine que, apesar dos inconvenientes, existe alguma superioridade no erro, quanto mais não seja pelo facto de o erro nos tornar humanos e, portanto, incomensuravelmente melhores do que simples computadores.