terça-feira, 13 de julho de 2010

O inevitável Mundo Novo


Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 12 de Julho de 2010


As tecnologias da informação e comunicação (TIC) permitem, hoje em dia, a recolha, processamento, troca e manutenção de espantosos volumes de informação. A sua utilização possibilita, em teoria ou na prática, um controlo sobre tudo o que fazemos (ou não fazemos), muito para além das então arrojadas – e, certamente, visionárias – ideias subjacentes a obras de ficção tão emblemáticas como ‘1984’ de George Orwell, ou o ‘Admirável Mundo Novo’ de Aldous Huxley. Pode dizer-se que, em muitos aspectos, a realidade ultrapassou já a ficção.

Tecnologicamente, é hoje possível um controlo rigoroso de tudo o que se faz, quando se faz, como se faz e onde se faz, para além de se poder manter informação detalhada sobre como somos e como estamos. De facto, sem nos darmos conta, já quase achamos natural que desde que saímos de nossas casas até que regressamos estejamos sob videovigilância. Também não nos apercebemos que sempre que mantemos o telemóvel ligado é registada, num qualquer sistema, a nossa localização. Sempre que se utiliza um meio de pagamento electrónico ou sempre que recorremos a um caixa automático há uma identificação inequívoca do que se fez e onde se fez. Sempre que acedemos à Internet, dados sobre o tráfego realizado têm obrigatoriamente que ser registados. Sempre que procedemos ao pagamento automático de uma portagem ou estacionamento, algo regista onde estivemos e por onde passámos. Sempre que iniciamos ou terminamos um período de trabalho, tal é registado, muitas vezes com recurso a identificação por dados biométricos. Sempre que recorremos a um sistema de saúde, dados clínicos são registados e processados.

Naturalmente que todas estas acções – com cobertura legal irrepreensível – são executadas a bem da segurança, da organização, da comodidade, da saúde, do progresso, etc., etc., mas se muitos de nós tivéssemos lido descrições delas há vinte anos atrás num qualquer romance ou obra de ficção sobre uma qualquer sociedade do futuro ficaríamos, certamente, preocupados. Afinal, a História já nos ensinou – infelizmente demasiadas vezes – que muitas ditaduras e atentados à liberdade são perpetrados em nome da segurança, da organização, da comodidade, da saúde e do progresso.

Por outro lado, quantos de nós estariam dispostos a abdicar de tantas comodidades só possíveis devido às TIC? Poderiam as sociedades modernas sobreviver sem as ferramentas de combate ao crime que elas potenciam? Queremos deixar de poder tirar partido das TIC para apoiar doentes, proteger crianças, promover a cultura, apoiar o comércio, defender a mobilidade e garantir a liberdade? Certamente que ninguém defende tal posição.

As TIC são poderosas armas, sem as quais já não podemos sobreviver. Cabe a todos nós estarmos conscientes do poder destas armas, por forma a podermos lidar com as ameaças que representam e com as oportunidades que nos oferecem, num Mundo Novo que tem tanto de admirável como de preocupante, mas que é, sobretudo, inevitável.