quarta-feira, 24 de março de 2010

A informática do papel


Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 22 de Março de 2010


Hoje em dia, a informática é reconhecida por todos como uma ferramenta essencial para a chamada ‘desmaterialização’ de processos. De facto, as tecnologias da informação e comunicação revolucionaram o Mundo e o seu potencial continua, felizmente, longe de estar esgotado. Com a informática consegue-se, para além de poupar árvores, reduzir custos e tornar os processos muito mais leves e eficientes. Meditemos um pouco para ver até que ponto este ‘lugar comum’ pode, afinal, estar longe da verdade.

Quando nos meados da década de 1980 começaram a surgir as primeiras aplicações de escritório electrónico, a promessa do escritório sem papel foi de imediato apregoada: em poucos anos, toda a informação passaria a ser processada pelos computadores. No entanto, volvido um quarto de século, constata-se – para espanto de quem, como o autor destas linhas, testemunhou a promessa inicial – que nunca houve tanto papel nos escritórios, repartições, serviços e empresas como actualmente.

Se a promessa de menos papel não se cumpriu, certamente que outras vantagens houve, nomeadamente em termos de custos: agora, muita informação não chega a ser impressa. É, em parte, verdade. No entanto, em muitos casos o que acontece é que há uma transferência de custos de impressão. Anteriormente, quem produzia a informação imprimia-a, e quem a consumia lia-a já impressa. Agora, quem produz a informação não a imprime, passando esse ónus para quem a consome. Pensemos, por exemplo, nos bilhetes electrónicos ou nos check-in feitos pela Internet. De um simples cartão de embarque passou-se para uma, duas ou três folhas A4 impressas ... pelo cliente.

Mas então toda a agilidade, leveza e eficiência de processos que se tem vindo a anunciar nos últimos anos não será uma vantagem? Caso seja atingida, naturalmente que é. O problema é que em muitos casos a informática é usada para tornar o que era simples mais complexo e pesado. Porque se podem processar muito mais dados, existe a tendência de solicitar todo o tipo de informação. Recentemente, num processo de candidatura, só as instruções para preenchimento das várias dezenas de quadros do formulário estendiam-se por cerca de duzentas páginas, certamente impressas por muitos dos concorrentes. Quantos processos são verdadeiramente simplificados, quer do ponto de vista da entidade que os promove e controla, quer do ponto de vista de quem os utiliza? E quantos passam sem um arquivo em papel e/ou sem uma assinatura? Infelizmente, ainda muito poucos.

Não podemos, no entanto, escamotear que existem progressos notáveis em diversos sectores e inúmeros casos de sucesso. A verdade é que esses progressos e casos de sucesso não foram nem fáceis de atingir nem baratos. É muito mais simples, certamente, deixar que a informática nos conduza a maiores consumos de papel, a maior complexidade dos processos e a um mais apertado ‘espartilho’ para as organizações.

A realidade é que a ‘desmaterialização’ é um processo trabalhoso, difícil de concretizar e com custos que podem ser consideráveis. É, no entanto, um esforço que quer as organizações quer as pessoas têm que fazer, sob pena de ficarmos condenados ao insustentável peso da informática do papel.