quarta-feira, 9 de março de 2011

A síndrome de Deuladeu


Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 7 de Março de 2011


Conta a lenda que, por volta de 1369, estando o castelo de Monção cercado por tropas de Castela e grassando a fome entre sitiados e sitiantes, Deuladeu Martins – mulher do alcaide de Monção, D. Vasco Rodrigues de Abreu – ordenou que se atirassem aos inimigos os últimos pães disponíveis, gritando-lhes que muitos mais havia no castelo. Conseguiu com isso iludir os castelhanos e fazer com que desistissem do cerco.

Nos dias de hoje chamaríamos a isso, simplesmente, “bluff” e, por estarmos tão habituados a ações desse tipo e ao respectivo “show-off” que frequentemente as acompanha, certamente que tal passaria praticamente despercebido.

Muito do atual “bluff” recorre às tecnologias da informação e comunicação (TIC), já que estas garantem, quase automaticamente, grande impacto e visibilidade a qualquer coisa que se faça, por mais insignificante ou inútil que seja.

Assim, é prática comum – diria mesmo mais, é quase obrigatório – que este ou aquele dirigente, este ou aquele responsável eleito ou nomeado, mostre “trabalho feito”, concretize “medidas”, maximize a visibilidade e impacto da sua organização ou serviço recorrendo, para tal, às TIC. E deve fazê-lo rapidamente, antes que alguém lhe pergunte quais os verdadeiros problemas da entidade ou empresa que dirige, de que forma as infraestruturas e serviços de TIC estão preparados para suportar a estratégia e missão da organização, ou como podem as TIC contribuir para resolver problemas e limitações reais. Se for rápido a apresentar resultados – preferencialmente com grande alarido – ninguém perguntará se esses resultados servem para algo concreto, se são sustentáveis, quanto custaram e que impacto positivo ou negativo têm agora e no futuro.

Muitos dirão que nos dias que correm – mais do que ser – o importante é parecer. Só que esse “parecer” sai sempre muito caro e importa perguntar se estamos dispostos a pagar o seu preço. Se o “parecer” for da Administração Pública, são todos os contribuintes que o suportam, para além de terem que sofrer o impacto negativo que tal tem sobre os serviços de que usufruem. Se for de uma outra entidade ou empresa, pública ou privada, é o consumidor que arca com esses custos.

É, assim, importante que o deslumbramento com as novas tecnologias da informação e comunicação dê lugar à objectividade e rigor. Mais do que medidas superficiais e resultados espalhafatosos, o que se exige é seriedade no planeamento, concepção e execução de projetos pensados para responder às reais necessidade de contribuintes, consumidores e utilizadores.

Importa, por isso, combater a “síndrome de Deuladeu”, que conduz ao “bluff” e se manifesta através do “show-off”. Esta síndrome parece grassar em cargos dirigentes – com aclamação por parte de muitos dos dirigidos, sitiados e sitiantes – e, ao contrário do que aconteceu com a atitude da padroeira de Monção, que revelou extraordinária inteligência e audácia, é um forte indicador de inaceitável mediocridade.