terça-feira, 22 de março de 2011

Os limites da Internet


Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 21 de Março de 2011


Em poucos anos (o que são, afinal, algumas décadas na história da ciência e da tecnologia?) a Internet retirou à rede telefónica o apanágio de rede universal. A utilização da Internet generalizou-se de tal forma que mudou o negócio das redes de telecomunicações à escala planetária, tornou obsoletas e absorveu outras redes, mudou radicalmente a produtividade, alterou políticas e influenciou governos, modificou sociedades e culturas.

Parecem não existir limites para as utilizações de uma ferramenta tão fundamental e versátil como a Internet, a não ser os limites da própria imaginação humana que, até ao momento, felizmente, ainda ninguém conseguiu determinar ou cercear.

Não admira, por isso, que todos achem natural e desejável que a Internet seja utilizada como um veículo para a interação entre empresas, ou entre pessoas e entidades, das quais, naturalmente, o Estado se salienta. Porque são inúmeros os casos em que o cidadão tem que interagir com o Estado – e porque, até aqui, muitas dessas interações exigiam longas perdas de tempo, dispendiosas deslocações e extraordinário incómodo – possibilitar que tal possa ser efectuado através da Internet traz enormes benefícios para o cidadão.

A regra deve, portanto, ser a dos benefícios para o cidadão – utente de serviços, contribuinte e, sobretudo, pessoa – sejam esses benefícios imediatos, por agilizarem os processos, ou indiretos, por conduzirem a uma maior eficácia da complexa e, quantas vezes, insondável máquina do Estado. É assim, com base nesse princípio orientador, que inúmeras iniciativas de “desmaterialização” têm vindo a ser concretizadas nos últimos anos, das quais todos temos tirado significativo proveito.

Não nos podemos, no entanto, esquecer de dois aspectos fundamentais: por um lado a Internet e as tecnologias da informação e comunicação (TIC) são um meio e não um objectivo em si – facto que muitos parecem esquecer – e, por outro, a sua utilização tem que ser norteada pelas vantagens que dela tira o cidadão. De pouco serve informatizar, só para se dizer que está informatizado. De pouco servem serviços on-line se ninguém os quer, se ninguém os utiliza ou se, sobretudo, eles complicam a vida dos cidadãos ou os obrigam a ter custos que até aí não tinham.

Há, assim, que resistir à tentação de dar um passo que, parecendo racional, subverte o princípio da utilidade acima referido: obrigar à utilização da Internet e das TIC, independentemente dos incómodos e custos que tal possa acarretar para o utente, tendo por exclusivo objectivo a redução desesperada da despesa da máquina do Estado.

Essa é a via que reduz os cidadãos a um número, a um username e uma password, e que esquece que um País é feito de pessoas de carne e osso, que contribuem ou contribuíram com o seu trabalho para a sociedade em que vivemos. São essas pessoas que nos recordam que existem limites para a Internet e que são esses limites que nos separam da desumanização.