quarta-feira, 20 de junho de 2012

A caixa negra


Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 18 de Junho de 2012


Já todos nos habituámos à ideia de que as tecnologias da informação e comunicação (TIC) se infiltraram em muitos aspetos do nosso dia-a-dia, mas alguns não se terão apercebido de que o grau de infiltração é muito mais elevado do que aparenta.

Naturalmente, uma ferramenta tão versátil e poderosa como as TIC não podia deixar de ser utilizada num objeto tão comum e essencial como o automóvel. No entanto essa utilização é muito maior do que se poderia pensar, abrangendo não só todas as fases da concepção e produção, mas também a sua utilização.

Os automóveis são, cada vez mais, complexas redes de dispositivos informáticos e de comunicação, cujas semelhanças com o passado se resumem ao facto de terem rodas e habitáculo. É certo que ainda os conduzimos, mas em poucos anos a crescente funcionalidade de condução assistida – já presente em muitos modelos mais modernos – tomará conta da condução.

Nos nossos dias os automóveis incluem um poder de processamento e cálculo centenas de vezes superior àquele que foi utilizado na Apolo XI, na primeira viagem do Homem à Lua. Um vasto conjunto de sensores e actuadores monitorizam e controlam todo o tipo de variáveis. Nalguns modelos, esses dados podem ser enviados para o fabricante e/ou oficina, por forma a detetar eventuais problemas e a prevenir avarias graves. Nalguns casos, inclusivamente, pode haver atuação remota sobre o veículo, via Internet, o que já ocasionou problemas num passado recente. Assim, a resposta à questão de quem controla o seu carro é cada vez mais difícil de dar.

Sabia, por exemplo, que muitos dos automóveis recentes contêm uma “caixa negra” que, à semelhante do que acontece nos aviões, regista uma série de informações sobre a condução? Esse dispositivo é construído para resistir a múltiplos impactos e para manter dados de uma série de variáveis nos segundos que antecedem um acidente, como sejam a velocidade, a pressão do pé sobre o acelerador, as rotações do motor, a existência ou não de travagem ou, ainda, a utilização ou não de cinto de segurança.

Em certos países esses dados já podem ser disponibilizados às autoridades que investigam os acidentes, às seguradoras e aos tribunais. A generalização da sua utilização para fins legais nos países mais desenvolvidos é, por isso, apenas uma questão de tempo.

É claro que manter esse tipo de informação é importante, por forma a responsabilizar os condutores. Não se trata aqui de violar a liberdade de cada um, já que a nossa liberdade para conduzir como queremos acaba quando se violam as leis e se põem vidas em risco.

Mas será caso para perguntar onde iremos parar com as TIC. Será que com esta ânsia de tudo registar e controlar não estaremos a transformar a nossa sociedade numa gigantesca caixa negra?

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