terça-feira, 17 de janeiro de 2012

O futuro e as máquinas






Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 16 de Janeiro de 2012


Vivemos num mundo que para além de ser fortemente tecnológico – o que, em si, encerra enormes vantagens – parece ditado por chavões tecnológicos. Todos reconhecemos, felizmente, que dos chavões não vem grande mal ao mundo, apesar de que existirão sempre pessoas que os utilizarão para empolgar audiências como se estivessem a dizer ou escrever algo de inédito. O pior mal dos chavões é, no entanto, poderem ser levados demasiado à letra.

A propósito deste assunto, li há pouco tempo numa revista alegadamente especializada em tecnologias da informação e comunicação (TIC) um parágrafo que, na escala dos chavões, certamente atingiria um nível de obra prima. Dizia, mais ou menos, o seguinte: “as redes de nova geração vão revolucionar o competitivo mercado de telecomunicações e conduzir a uma sociedade em que tudo estará em rede; com redes mais escaláveis, mais inteligentes e de maior performance a comunicação machine-to-machine, em ambiente cloud, terá um enorme crescimento; de facto, o futuro é das máquinas!”

Para além do deleite que tais afirmações cheias de conteúdo causarão aos tecnologicamente letrados leitores de tal publicação – deleite esse que, diga-se de passagem, não consigo imaginar – o que é de salientar é o brilhante chavão final: “o futuro é das máquinas!”

A avaliar pelos muitos exemplos de (má) utilização das TIC nos quais as pessoas têm que se adaptar – e subjugar – às tecnologias, quase acreditamos que a afirmação seja verdadeira. Quantas vezes ouvimos já, em tantos serviços quer privados quer públicos, afirmações como “não se pode fazer porque o computador não deixa”, “está aqui no computador, portanto é verdade” ou “só se pode fazer através do computador”, para dar apenas alguns exemplos? Quantas vezes se adaptou (e complicou) processos às necessidades dos computadores? Quantas vezes ouvimos a frase “o que conta é o que está no computador”?

É preciso, no entanto, esclarecer que essa “ditadura das máquinas” não decorre das TIC em si, mas sim de quem, por intenção, incúria, ignorância ou incapacidade, desenvolve os sistemas. Não é, portanto, uma inevitabilidade e, muito pelo contrário, deve ser incansavelmente combatida, por forma a construirmos uma sociedade centrada nos cidadãos e não nas máquinas ou nas tecnologias.

Não nos podemos esquecer que são as máquinas e as tecnologias que têm que se adaptar aos cidadãos e não o contrário. Qualquer solução que esqueça que as tecnologias existem para os utilizadores será sempre uma solução ferida de vícios. De facto, até os mercados nos dizem isso: o sucesso de um produto está no grau de aceitação dos clientes, independentemente da tecnologia. É por isso que o futuro só será das máquinas se, coletivamente, não tivermos a visão para o fazer das pessoas.

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