segunda-feira, 16 de abril de 2012

Engenharia por inquérito


Artigo de opinião publicado no diário ‘As Beiras’
em 14 de Abril de 2012



A Engenharia Informática deve mesmo ser um ramo menor da engenharia! Se não é, como é que se pode justificar a forma como é tratada por muitos sectores da nossa sociedade, a começar no Estado e sector público? Digo-o, naturalmente, com a mágoa que seria de esperar por parte de um engenheiro informático que contribui para a formação destes profissionais há quase três décadas.

Nos últimos anos proliferaram os atropelos a este ramo da engenharia, implementando soluções no terreno sem qualquer projeto ou linha orientadora, concebendo sistemas que eram tudo menos adequados aos fins em vista, replicando até à exaustão soluções erradas, desajustadas, dispendiosas. Violaram-se todas as regras de engenharia, porque nestas coisas da informática todos sabem fazer tudo.

O resultado está à vista. No sector público (e no privado também, mas esse não o pagamos todos) gastou-se e gasta-se demasiado dinheiro em tecnologias da informação e comunicação (TIC). O “Plano global estratégico de racionalização e redução de custos nas TIC, na Administração Pública – Horizonte 2012-2016” identifica medidas que poderão levar a poupanças de mais de 500 milhões de euros por ano.

As palavras de ordem são, agora, reduzir e racionalizar custos de TIC (admitindo-se, implicitamente, que se esbanjou e que isso foi feito de forma irracional). Poder-se-á pensar que a lição decorrente da má engenharia informática – ou melhor, da falta dela – foi aprendida e agora se abre um novo ciclo. Nada mais errado!

Agora pretende-se reduzir gastos a todo o custo mas, infelizmente, mais uma vez, sem que se adote uma metodologia de projeto. É como tentar emendar um edifício muito mal construído chamando agora um outro construtor que, a olho e sem projeto, tenta corrigir aqui e ali o que lhe parece mal. Racionalizar é, neste caso, um eufemismo.

Onde antes se incentivava a cega replicação de soluções agora preconiza-se, de forma não menos cega, o recurso ao cloud computing, qual panaceia para todos os males. Não há análise de requisitos, estudo de alternativas, especificação de soluções, planeamento de implementação e/ou evolução, adequados a cada caso.

Realiza-se, é certo, um gigantesco inquérito para recolha de dados de TIC na Administração Pública – alguns dos quais bastantes sensíveis e que, se caírem em mãos erradas, o que não seria inédito, poderão comprometer a segurança de muitas infraestruturas e sistemas de TIC do Estado – mas desde quando a engenharia se faz remotamente e por inquérito?

Mais uma vez são ignoradas as boas práticas de engenharia enquanto se prepara uma substancial mudança nas TIC em todos, ou quase todos, os organismos estatais. Mais uma vez as TIC no país vão mudar. À boa maneira portuguesa, naturalmente: sem projeto e por inquérito.

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